Relator Especial da ONU para crimes de tortura, o advogado austríaco Manfred Nowak disse hoje, durante o 12º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, em Salvador, que a postura do governo brasileiro de indenizar as famílias de vítimas de tortura durante o regime militar é “bem-vinda, mas insuficiente”.
“É um erro o Brasil manter a anistia, não só pelas famílias dos torturados, mas por toda a sociedade, que fica traumatizada por décadas com esse tipo de evento”, afirmou. “No meu país, por exemplo, só 50 anos depois começamos a investigar os crimes cometidos na Segunda Guerra Mundial. Mas a mensagem que fica é: antes 50 anos depois do que nunca, porque a impunidade é uma das principais causas desse tipo de crime.”
Nowak salienta que a busca pelo julgamento – e eventual punição – de responsáveis por tortura tem de atingir o alto escalão dos órgãos que cometeram os crimes. “O principal culpado é quem ordena esse tipo de ação”, diz. Mas ele nega que essa postura tenha relação com vingança. “Na maioria dos países que acompanhamos, esse processo é necessário para que a população supere os traumas decorrentes”, afirma.
Polícia
No congresso, Nowak participou de um debate sobre outro tipo de tortura: a policial. “Em muitos países, a polícia ainda funciona como há séculos, tentando solucionar crimes por meio de confissões obtidas sob tortura”, argumenta. “É preciso criar uma convenção internacional contra essa prática.”
De acordo com ele, em muitos países a maioria da população carcerária ainda não foi julgada. No Brasil, os detentos sem julgamento chegam a 44% do total.
As únicas formas para se evitar torturas contra presos, segundo Nowak, são manter a custódia policial a mais breve possível, fazer com que suspeitos tenham acesso a advogados tão logo sejam presos e elaborar um sistema de visitas-surpresa, por meio de comissões independentes, a unidades de custódia.
“Quase todos os presos que sofrem torturas no mundo são aqueles que ainda não foram julgados”, afirma. “O momento mais perigoso é aquele no qual o suspeito acabou de ser detido e ninguém sabe onde ele está. É aí que entra a tortura dos policiais, ansiosos para obter uma confissão e dar uma resposta rápida à sociedade.”