“O Ministério Público deveria ser uma instituição mais transparente”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, em entrevista na sexta-feira passada, dia 13.
A decisão proibindo a prisão depois da sentença de segunda instância vai continuar gerando polêmica. Recentemente o ministro da Justiça, Sérgio Moro, disse que essa decisão fez a população achar que o combate à corrupção diminuiu. O sr. Concorda?
De maneira nenhuma. Isso não tem o menor sentido. O STF julgou o mensalão, condenou várias autoridades, vários empresários, inclusive banqueiro. Foi ali que começou todo esse trabalho de combate à corrupção, e (tiveram início) os projetos de lei que levaram a esse arcabouço jurídico, às leis de combate ao crime organizado. Então, o Supremo está firme no combate à corrupção. Não é uma decisão que faz cumprir a Constituição que vai surtir efeito numa percepção quanto à corrupção.
O sr. não é de brigas ou adjetivos, mas outro dia deu um repto público no ministro Luís Roberto Barroso, “respeite seus colegas”, pelo ímpeto com que o ministro ficava se diferenciando dos demais ministros, como melhor do que todos na preocupação com a corrupção.
Eu tenho uma boa relação com todos os ministros, admiração mesmo. A importância de uma Corte constitucional é ter a pluralidade de ideias. É essa pluralidade que faz a riqueza e a decisão ser mais legítima, mais reconhecida. Episódios como esse, ao longo da nossa gestão, diminuíram muito, cessaram mesmo.
Mas nesse caso o repto foi seu. Por que o sr. o fez? O ministro Barroso já estava extrapolando?
É que às vezes o próprio membro da Corte, o próprio juiz, começa a absorver sensos comuns.
O que é que o sr. chama de senso comum na posição do ministro Luís Roberto Barroso?
A ideia de que existem pessoas que combatem mais a corrupção do que outras.
O sr. leu O Homem que sabia javanês, o conto do Lima Barreto?
Não li.
Nem depois que o ministro Barroso disse que precisava de um professor de javanês para traduzir o seu voto no caso do Coaf?
Não li. O meu voto foi elogiadíssimo pelos membros da UIF (Unidade de Inteligência Financeira, antigo Coaf), que o consideraram tecnicamente perfeito. Então, os membros da UIF entendem muito bem de javanês.
O fato é que o sr. fracassou na missão de conseguir um clima cordial no Supremo. O que se vê é uma Corte dividida, em dois grupos bastante radicalizados, embora com alguma mobilidade aqui e ali.
Eu discordo. Não houve fracasso nenhum, houve sucesso nessa pacificação. Os votos que estão sendo proferidos tem poucos apartes, não há mais adjetivos concretos de um contra o outro…
Este ano mesmo houve discussões pesadas…
Aqui nesta mesa, pelo menos uma vez por mês, eu faço um almoço, convido os ministros, senta o Barroso, senta o Marco Aurélio…
Os ministros vivem às mil maravilhas, não há lutas internas?
Aqui todos respeitam todos, a capacidade intelectual de todos. Disso não há dúvida. Em relação aos pontos de vista diferentes, não são posições fechadas entre um lado e outro.
Com relação à Lava Jato, especificamente, que divide os corações, temos dois grupos consolidados – um dos, digamos, lavajatistas por excelência, comandado pelo ministro Barroso…
No Supremo Tribunal Federal ninguém comanda ninguém. Somos todos iguais. Se algum colega acompanha o outro é porque realmente adere àquela posição.
O sr. não vê o Tribunal dividido?
Não vejo. O Tribunal é único. Na sua unidade é que está a sua força. Existe para ter pluralidade.
Ao longo da sua vida aqui no Supremo o sr. foi injustamente marcado por um estigma quanto a ser lulista, ou petista, porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é que o indicou. O sr. sempre repeliu essas insinuações, como outros ministros que as sofreram, e até já disse, ao Estado, que o Supremo o transformou em um liberal…
Cada vez mais…
Agora aparece um outro carimbo: que o sr. tomou a decisão de suspender as investigações para beneficiar o senador Flávio Bolsonaro… O sr. facilitou a vida do filho do presidente Jair Bolsonaro?
Não. Antes de chegar a petição, em julho, a respeito desse caso específico, alguns colegas já comentavam: “estão chegando aqui processos pedindo a revisão daquela decisão sobre compartilhamento, é necessário, está tendo extrapolação”. E realmente começou a haver, com compartilhamentos indevidos.
E porque se criou essa lenda urbana – para usar uma expressão que o sr. tem usado – de que quis beneficiar o senador filho do presidente da República, ou a outra, sobre a segunda instância, para beneficiar o Lula?
Usei essa expressão para mostrar que isso não tem a mínima veracidade. Não passa de uma lenda, que querem colocar através de algo que não é verdadeiro.
Por que elas aparecem e o Brasil virou um país de muitas lendas urbanas?
A (filósofa) Hannah Arendt dizia o seguinte: se todo mundo mentir o tempo todo, pra todo mundo, não é que as pessoas acreditarão na mentira; é que elas não acreditarão em mais nada. Então esses ataques que são feitos, alguns direcionados diretamente a mim, não são na verdade para me desacreditar. É para fazer com que as pessoas não acreditem em mais nenhuma instituição. Isso aí é a ruptura da democracia. Então nós temos que combater.
O sr. tem o ar cansado. É pesado ser presidente do Supremo Tribunal Federal?
Eu não tenho preguiça, eu trabalho muito. Em torno de 18 horas por dia. É um momento de dedicação.
Qual é a marca que o sr. quer deixar?
Os três eixos que eu coloquei são eficiência, transparência e a responsabilidade. Os números mostram que é um Judiciário mais eficiente.
E sobre a transparência e a responsabilidade…
O Poder Judiciário é o poder mais transparente que tem. Quanto à responsabilidade, quantos a gente já não pôs para fora no Conselho Nacional de Justiça? Veja se o Conselho Nacional do Ministério Público fazia isso, até pouco tempo. O Judiciário trabalha com muita transparência. O Ministério Público deveria ser uma instituição mais transparente.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.