Durante os 25 anos em que o deputado federal Aroldo Martins (Republicanos-PR) viveu fora do País, a saúde ocular de seus filhos foi acompanhada por optometristas. De volta ao Brasil, no entanto, ele observou que a atividade ainda não estava totalmente regulamentada, o que o levou a criar uma frente parlamentar para defender a categoria.

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Iniciativas como essa bateram recorde em 2019, quando 309 grupos de interesse específico foram oficializados na Câmara – uma alta de 44% em relação a 2015, primeiro ano da legislatura anterior. Na avaliação de deputados, a sinalização de que o governo do presidente Jair Bolsonaro dialogaria com bancadas temáticas, e não com partidos, “serviu de combustível” para este aumento.

Entre as frentes mais atuantes estão a Evangélica, a da Agropecuária e a da Segurança Pública. Mas, assim como o grupo que defende os optometristas – conhecidos como “fisioterapeutas da visão” -, há outras menos conhecidas, como as frentes do alho, de doenças raras, da convivência com o semiárido e dos jogos eletrônicos.

O número de frentes apresenta tendência de crescimento desde 2003, início da série histórica disponível no site da Câmara. De acordo com levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo, os picos ocorrem justamente nos primeiros anos de novas legislaturas, já que precisam ser reinstaladas após cada eleição.

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“Fiquei sabendo que em alguns Estados, como no Paraná, de onde eu venho, os optometristas não têm liberdade de exercer a profissão”, justificou Martins, que presidente a frente em defesa dos profissionais. Desde sua criação, outros 211 parlamentares já aderiram ao grupo. O número de alto de participantes, aliás, é um fator comum entre as frentes.

Criadas por meio de requerimento, elas reúnem congressistas de diferentes partidos mobilizados de acordo com temas específicos. A Frente Parlamentar Mista da Beleza e Bem-Estar, por exemplo, busca defender os interesses de profissionais e empresas do ramo. O mesmo acontece com as frentes em defesa do alho, do café, do setor de serviços, da Baixada Fluminense, da conclusão das obras públicas inacabadas e dos esportes equestres, entre tantas outras.

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Quase um terço das frentes registradas atende a interesses de setores ou de categorias profissionais. Caso da indústria brasileira de bebidas, por exemplo, que conta com dois grupos idênticos em sua defesa, propostos por Guiga Peixoto (PSL-SP) e Fausto Pinato (PP-SP) com um mês de intervalo.

Sem o poder de disciplinar representantes ou orientar votos, o efeito prático das frentes é reduzido. De acordo com o Ato da Mesa nº 69, de 2005, que cria o registro das frentes, o único poder conferido a elas é o de requerer espaços físicos da Câmara dos Deputados para a realização de reuniões.

“Diferentemente de um líder partidário, que pode punir um ‘deputado desobediente’, tirando-o de uma comissão, por exemplo, ou não lhe dando uma relatoria de interesse, os líderes de frentes parlamentares não têm nenhuma prerrogativa deste tipo. É tudo muito mais solto”, afirma o cientista político Claudio Couto, da FGV.

Deputado participa de 262 frentes

Para serem constituídas, as frentes precisam da assinatura de pelo menos um terço dos deputados da Câmara – 171. Mas, na prática, conseguem mais do que isso. Segundo o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), que participa de 262 frentes, a subscrição é “uma questão de cortesia”. “Um deputado está formando uma frente e precisa de um número mínimo de assinaturas. Ele pergunta se não me importo de assinar. Aí eu assino, de maneira cordial”, afirma.

Para Andrada, o aceno que Bolsonaro fez no início do governo de que dialogaria com bancadas temáticas, e não com partidos, impulsionou a criação das frentes. “Aquilo que ele (Bolsonaro) anunciou quando estava montando o governo, e que hoje não corresponde à realidade mais, acabou incentivando a criação de Frentes Parlamentares. Serviu como um combustível”, avalia.

Já na análise do analista legislativo e doutor em ciência política Lourimar Rabelo, a proliferação de frentes se deu no contexto da grande renovação da Câmara em 2019, com parlamentares buscando “protagonismo”. “As frentes são um meio não legislativo de atuar e ganhar reconhecimento”, diz.

Mesmo sem poder regimental, as frentes mais atuantes servem como ponte entre o Congresso – senadores também podem participar – e setores específicos, podendo influenciar a pauta de votações. É de autoria, por exemplo, do deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM), da Frente Parlamentar Mista de Apoio ao Mercado Imobiliário, o projeto de lei que amplia o prazo de redução da carga de tributos federais para incorporadoras e construtoras de projetos do Minha Casa Minha Vida.

De acordo com o deputado, a construção da proposta se deu em diálogo com o setor interessado e a frente. “Na reunião de formação da Frente do Mercado Imobiliário, o presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) levantou essa questão (da tributação). Eu falei: ‘pô’, esse problema tem solução legislativa e apresentei o projeto. Na votação houve o trabalho de mobilização da frente.”