As Forças Armadas concluíram que não houve desvio de finalidade no uso de bases onde ocorreram mortes e torturas no tempo da ditadura militar (1964-1985). Em relatórios de sindicâncias abertas com a finalidade de investigar violações de direitos humanos no período, a Aeronáutica, o Exército e a Marinha enfatizaram fatos pitorescos do tempo da colônia, do império ou do começo da república ocorridos em suas dependências.

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Os pedidos de abertura de sindicância foram feitos em 18 de fevereiro aos comandos militares pela Comissão Nacional da Verdade, instalada pela presidente Dilma Rousseff para investigar os crimes de Estado. No pedido, a comissão cobrou informações sobre recursos humanos, logística e a arquitetura de sete unidades militares no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Belo Horizonte e no Recife. Documentos e depoimentos obtidos ao longo dos últimos anos pela imprensa e por grupos de direitos humanos indicam que ocorreram nesses locais nove assassinatos e 15 casos de tortura.

Uma boa parte do relatório de 268 páginas da Marinha destaca a imigração de orientais para o Brasil no século XIX, especialmente para a Base Naval de Ilha das Flores, no Rio de Janeiro. “O chin não sai do seu país senão com o fito de adquirir algum dinheiro”, destaca o documento da Marinha. A força dá detalhes sobre os imigrantes que faziam parada na Ilha das Flores, no começo do século XIX, mas se recusou a esclarecer as torturas sofridas no mesmo local por Marta Maria Klagsbrunn e João Manoel Fernandes, em 1969 e 1970. A Marinha ainda enviou recortes de jornais de períodos diversos sobre o local.

Por sua vez, a Aeronáutica evita comentar, em relatório de 145 páginas, a morte do preso político Stuart Edgar Angel Jones, em 1971, possivelmente na Base Aérea do Galeão, também no Rio. Numa narrativa de quase 200 páginas, a força cita inúmeras leis e decretos militares para reforçar que uma base aérea é local apropriado para a custódia de presos. A sindicância pondera, no entanto, que fala de presos militares, sem fazer referências a civis, como é o caso de Jones. A Aeronáutica chega a fazer um relato sobre o desenvolvimento da aviação no Brasil e no mundo.

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Em um trecho do relatório, a força faz uma crítica indireta à presidente Dilma Rousseff. A força observa que em 2009, a pedido da ministra-chefe da Casa Civil (posto ocupado na ocasião por Dilma), encontrou uma documentação “genérica” que poderia ser útil para as investigações sobre o regime, mas as autoridades não teriam demonstrado interesse nos papéis. A sindicância não registra que, depois de diversos pedidos de Dilma, o comandante Juniti Saito entregou um acervo ao Arquivo Nacional.

Destruição

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Já o relatório da sindicância do Exército, de 42 páginas, destaca que documentos necessários para o trabalho da comissão foram destruídos. A força, mais uma vez, não apresentou provas da destruição desse acervo. O relatório da sindicância ressalta que procurou informações em arquivos públicos, como o Arquivo Nacional, em Brasília, o acervo do DOPS, no Recife, por exemplo, para investigar crimes que teriam ocorrido nas dependências do II Exército, em São Paulo, e do IV Exército, na capital pernambucana.

Esses arquivos são abertos para todos os cidadãos. A sindicância não cogita recorrer ao CIEx, o centro de inteligência do próprio Exército, um acervo ainda sigiloso, para buscar as informações solicitadas pela comissão. O relatório nada acrescenta sobre a morte de Joaquim Alencar de Seixas, em São Paulo.

Sobre os recursos orçamentários usados pelas bases militares no período da ditadura, as três forças ressaltam que as informações devem ser solicitadas ao Tribunal de Contas da União. As conclusões das sindicâncias foram repassadas ontem pelo ministro da Defesa, Celso Amorim, à Comissão Nacional da Verdade. Na tarde desta quarta-feira, a comissão disponibilizou os documentos em seu site na internet. Cópias dos relatórios foram enviados aos integrantes do grupo.