Mesmo diante da denúncia do representante de uma vendedora de vacinas que afirmou ter recebido pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde, o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) disse nesta quarta-feira (30) não ver espaço para que prospere um pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
“Acho que não há espaço para prosperar um pedido de impeachment. Estamos a um ano e pouco das eleições. Vamos deixar o processo prosseguir e chegar a outubro do ano que vem para ver o que acontece”, afirmou Mourão.
Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se apresenta como representante da empresa Davati Medical Supply, disse à Folha de S.Paulo que recebeu pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde. A oferta teria partido do diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, em encontro no restaurante Vasto, no Brasília Shopping, em 25 de fevereiro.
Roberto Dias foi indicado ao cargo pelo líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Sua nomeação ocorreu em 8 de janeiro de 2019, na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM). A Folha de S.Paulo tentou contato com Dias na noite desta terça-feira (29). Mas ele não atendeu as ligações.
“É um relato, né? Você sabe que esses assuntos não chegam para mim. Só tomo conhecimento pela imprensa. Não tenho como avaliar”, disse Mourão, quando instado a comentar a revelação de pedido de propina.
Roberto Dias foi exonerado do cargo. A demissão foi publicada no “Diário Oficial da União” desta quarta.
Questionado se as últimas revelações envolvendo a compra de vacinas abalam o discurso anticorrupção do governo, Mourão afirmou que não vê a situação dessa maneira.
“O presidente falou uma coisa que é certa, ele não tem condições de controlar tudo o que está acontecendo dentro do governo. Isso é uma realidade. Então, compete a cada ministro controlar o seu feudo. E se for detectada alguma coisa que está irregular, que se tome as providências de acordo com a lei. Isso é normal acontecer”, afirmou.
Emails obtidos pela Folha mostram que o Ministério da Saúde do governo de Jair Bolsonaro negociou oficialmente venda de vacinas com representantes da Davati Medical Supply.
As mensagens da negociação foram trocadas entre Roberto Ferreira Dias, Herman Cardenas, que aparece como CEO da empresa, e Cristiano Alberto Carvalho, que se apresenta como procurador dela.
Em entrevista à Folha, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) que, com o irmão Luis Ricardo Miranda, chefe do departamento de importação do Ministério da Saúde, denunciou suspeita de irregularidade no contrato de compra da vacina Covaxin, disse que Dias é quem dá as cartas na pasta.
“Eu acho assim, nada ali acontece se o Roberto não quiser. Tudo o que aconteceu, inclusive a pressão sobre o meu irmão, é sob a aprovação dele. Sem ele, ninguém faz nada. Isso é uma das únicas certezas que tenho”, afirmou o deputado.
A suspeita sobre a compra de vacinas veio à tona em torno da compra da vacina indiana Covaxin, quando a Folha revelou no dia 18 de junho o teor do depoimento sigiloso do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal, que relatou pressão “atípica” para liberar a importação da Covaxin. Desde então, o caso virou prioridade da CPI da Covid no Senado.
A CPI suspeita do contrato para a aquisição da imunização, por ter sido fechado em tempo recorde, em um momento em que o imunizante ainda não tinha tido todos os dados divulgados, e prever o maior valor por dose, em torno de R$ 80 (ou US$ 15 a dose).
Meses antes, o ministério já tinha negado propostas de vacinas mais baratas do que a Covaxin e já aprovadas em outros países, como a Pfizer (que custava US$ 10).
A crise chegou ao Palácio do Planalto após o deputado Luis Miranda, irmão do servidor da Saúde, relatar que o presidente havia sido alertado por eles em março sobre as irregularidades. Bolsonaro teria respondido, segundo o congressista, que iria acionar a Polícia Federal para que abrisse uma investigação.
A CPI, no entanto, averiguou e constatou que não houve solicitações nesse sentido para a PF. Ao se manifestar sobre o assunto, Bolsonaro primeiro disse que a Polícia Federal agora vai abrir inquérito para apurar as suspeitas e depois afirmou que não tem “como saber o que acontece nos ministérios”.
Nesta terça, o Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato com a Precisa Medicamentos para obter 20 milhões de doses da Covaxin.
Segundo membros da pasta, a decisão atual é pela suspensão até que haja novo parecer sobre o caso. A pasta, porém, já avalia a possibilidade de cancelar o contrato.
Já nesta segunda-feira (28) a Folha também revelou que o advogado do deputado Ricardo Barros atuou como representante legal da vacina chinesa Convidecia no Brasil, participando inclusive de reunião com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Sócio do genro de Barros até março deste ano, o advogado Flávio Pansieri participou de reunião com a Anvisa no dia 30 de abril.
Segundo o site da agência, a pauta da reunião referia-se às “atualizações sobre a desenvolvimento da vacina do IVB [Instituto Vital Brazil] & Belcher & CanSinoBio a ser submetida a uso emergencial para a Anvisa”.
Integrantes da CPI da Covid querem apurar a negociação da Convidecia com o Ministério da Saúde. A empresa Belcher Farmacêutica, com sede em Maringá (PR), atuou como representante no país do laboratório CanSino Biologics no Brasil, responsável pelo imunizante. Barros tem base eleitoral em Maringá.
No domingo (27), Barros divulgou nota por ter sido citado pelo deputado Luis Miranda em depoimento à CPI da Covid como parlamentar que atuou em favor da aquisição de vacinas superfaturadas.
Para se defender, o líder do governo apresentou a íntegra da defesa preliminar enviada à Justiça Federal. O documento é assinado por Pansieri.
O advogado também assumiu a defesa de Barros no STF (Supremo Tribunal Federal), após o deputado ter sido delatado por executivos da construtora Galvão Engenharia.
Além de atuar na defesa de Barros, Pansieri acompanhou o líder do governo durante encontro com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto no dia 24 de fevereiro, durante a posse do deputado do centrão João Roma (Republicanos-BA) como ministro da Cidadania.