O Ministério Público Federal (MPF) se manifestou, em nota pública, contra o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), aprovado pelo presidente Michel Temer, sobre os processos de demarcação de terras indígenas.
Para a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR/MPF), a posição do presidente da República demonstra que ‘o atual governo faz o que os antecessores já faziam: não demarca, não reconhece e não protege terras indígenas’.
As informações foram divulgadas pela Secretaria de Comunicação Social da Procuradoria-Geral da República.
O parecer, divulgado nesta quinta-feira, 19, ‘orienta a administração federal a vincular as condicionantes estabelecidas no caso Raposa Serra do Sol para outros processos demarcatório, mesmo tendo o Supremo Tribunal Federal expressamente reconhecido que a decisão tomada na PET 3388 não é dotada de eficácia vinculante para outras terras indígenas’.
Íntegra da nota pública do Ministério Público Federal
“O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, é firme desde sempre na determinação do dever do respeito às terras indígenas. A decisão no caso Raposa Serra do Sol é extraordinariamente bela e afirmativa dos direitos originários dos índios às terras de sua ocupação tradicional.
Todo o esforço do Estado brasileiro desde então é distorcer o conteúdo da decisão do Supremo, para desobrigar-se do seu dever de proteger o direito dos índios às suas terras indígenas.
O Supremo Tribunal Federal determina ao Estado brasileiro demarcar as terras indígenas, sem hostilizar as comunidades indígenas e respeitar a diversidade étnica e cultural. Também determina que se reconheçam aos índios os direitos às terras quando delas retirados à força e a elas impedidos de retornarem. O Supremo Tribunal Federal, nessa mesma decisão, proclamou que essa dinâmica de ocupação indígena é revelada a partir do saber antropológico posto em prática, respeitando a metodologia “propriamente antropológica”, para evidenciar o que ocupam, como ocupam e quanto ocupam, como permanecem com os laços culturais, religiosos, sociais com aqueles espaços, mesmo quando forçados a deles se retirarem.
O Parecer 001/2017/GAB/CGU/AGU, aprovado pelo presidente Michel Temer, que pretende ter força vinculante, põe no papel o que o atual governo faz e os que antecederam já faziam: não demarcar, não reconhecer e não proteger. Deliberadamente passa ao largo dos pontos acima referidos e realça limitações definidas pelo Supremo para o caso Raposa Serra do Sol.
Se marco temporal existe, não está em 1988, mas na continuidade da história constitucional da afirmação dos direitos territoriais indígenas, que se inicia em 1934, repetido em 1937 e 1946, ampliado em 1967 e mais ainda na EC de 1969, e densamente positivado na Constituição de 1988. Esse histórico tem ressonância na jurisprudência consolidada e reiterada do Supremo Tribunal Federal, muito embora tenha sido ignorado pelo parecer.
O parecer tem apenas um grande mérito: traz as digitais do presidente da República e, portanto, faz dele o responsável direto da política indigenista da sua administração.
O Supremo Tribunal Federal terá agora em agosto nova e plural oportunidade de debater vários desses temas.
Os índios nada podem esperar da Administração. A certeza dos índios e a esperança de seu futuro estão nas mãos da Justiça!”
Com a palavra, a AGU
“A Advocacia-Geral da União esclarece que o parecer de forma alguma representa retrocesso na demarcação de terras indígenas. Ao contrário, vai promover segurança jurídica a esta importante política pública.
O parecer não desconhece o histórico de ocupação indígena do país. Este simplesmente acatou posicionamento do Supremo Tribunal Federal e acolheu os entendimentos firmados, recomendando aos demais órgãos da Administração Pública que obedeçam ao que foi estabelecido pela Suprema Corte.
A descrição das condicionantes que orientarão a atuação da administração no processo demarcatório retrata a literalidade das diretrizes estabelecidas pelo Supremo. A nota da PGR, portanto, se contrapõe não ao parecer da AGU, mas ao próprio posicionamento do STF”.