O Ministério Público Federal (MPF) denunciou 14 pessoas por envolvimento em suposto esquema de corrupção para viabilizar a medida provisória 512/2010 e também para manipular o julgamento de um processo no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), espécie de tribunal que avalia débitos de grandes contribuintes com a Receita Federal. O grupo denunciado, que inclui lobistas, funcionários públicos e executivos, é acusado de favorecer a MMC Automotores (representante da Mitsubishi no Brasil) após o pagamento de R$ 33,8 milhões pela empresa.
Conforme a peça de acusação, enviada à 10ª Vara da Justiça Federal, em Brasília, após receber a quantia, os envolvidos conseguiram livrar a MMC de um débito de R$ 266 milhões (cerca de R$ 600 milhões, em valores atualizados) no Carf. A dívida se devia a uma autuação da Receita, lavrada após a constatação de que a montadora recebeu de forma cumulativa dois benefícios fiscais, contrariando a legislação.
Em outra frente, o grupo teria pago servidores públicos para emplacar a MP 512/2010, cujo texto deu previsão legal à acumulação e resolveu de vez a controvérsia do setor automotivo com o Fisco. A norma foi editada por Luiz Inácio Lula da Silva e sancionada por Dilma Rousseff, após a inserção de mudanças pelo Congresso. Outras a montadoras, como a Ford, se beneficiaram da regra.
O caso foi revelado pela reportagem em série de reportagens publicada a partir de outubro de 2015.
Entre os denunciados estão os ex-conselheiros do Carf José Ricardo da Silva e Alexandre Paes dos Santos, o casal de lobistas Mauro Marcondes Machado e Cristina Mautoni, além dos empresários Paulo Ferraz e Robert Rittscher, da MMC. Três servidores públicos, entre eles a ex-assessora da Casa Civil Lytha Spíndola, também foram acusados. Eles vão responder por corrupção, tráfico de influência e lavagem de dinheiro.
Parte dos denunciados, entre eles José Ricardo, Alexandre, Mauro e Cristina, já foi condenada em primeira instância pela suposta “compra” da MP 471/2010, que também beneficiava o setor automotivo. Uma ação penal em curso apura suposto tráfico de influência para aprovar a MP-623, também em favor de montadoras. Entre os réus estão Lula e seu filho caçula, Luís Cláudio Lula da Silva. Como revelou o Estado em 2015, a empresa do casal de lobistas pagou R$ 2,5 milhões à firma de consultoria de Luís Cláudio.
Na denúncia recém-ajuizada, procuradores da Operação Zelotes sustentam que integrantes do esquema procuravam contribuintes com recursos em andamento no Carf para oferecer os “serviços”. No caso da Mitsubishi, os atos ilegais teriam sido praticados entre os anos de 2009 e 2012, com a participação de pelo menos quatro núcleos: o dos empresários contratantes, o dos lobistas, o dos intermediários e o dos servidores públicos que teriam viabilizado a manipulação do julgamento.
Segundo os investigadores, Mauro Marcondes e Cristina Mautoni foram contratados pelos executivos da MMC e, em seguida, subcontrataram a empresa SGR Consultoria Empresarial Ltda, de José Ricardo Silva, ex- conselheiro do tribunal administrativo, e outros parceiros. O casal de lobistas, sustenta a Zelotes, subcontratou e pagou a servidora Lytha Spíndola, que contou com a colaboração do filho, Vladimir Spíndola, para viabilizar a MP 512.
Na denúncia, os investigadores enfatizam que nem a Marcondes & Mautoni Empreendimentos, empresa de “diplomacia corporativa” de Mauro e Cristina, e nem as firmas dos demais envolvidos produziram qualquer material, estudo ou relatório que justificasse os valores recebidos.
“As suas atribuições eram atuar nas sombras, sem deixar rastros, de maneira clandestina, para não despertar suspeitas e não comprometer a empresa contratante”, registra a denúncia.
Na denúncia, os procuradores descrevem ainda a autuação do advogado Albert Rabelo Limoeiro, que teriam atuado para corromper integrantes do Carf. O então conselheiro corrompido foi, de acordo com a acusação, Antônio Lisboa. O MPF alega que houve pagamento de propina por ele, por meio do pagamento de suas contas por terceiros ou por recebimento de dinheiro em espécie.
“Contrariando o seu histórico financeiro, que registra pagamentos mensais de parcelas de financiamento imobiliário e despesas variadas, suas despesas somem, conforme aponta o Relatório elaborado pela Receita Federal”, destacam os procuradores da República Frederico Paiva e Hebert Mesquita.