Morreu neste domingo, dia 1º, aos 81 anos o ex-governador de São Paulo, ex-ministro e ex-deputado federal Alberto Goldman (PSDB). Ele estava internado desde o dia 19 no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. O líder tucano teve uma hemorragia no cérebro detectada por exames e foi operado em seguida, mas não resistiu. Ex-comunista, Goldman aderiu à social-democracia e se tornou um de seus maiores nomes no País.
Desafeto de Goldman desde que este se opôs à sua candidatura a prefeito de São Paulo em 2012, o governador João Doria (PSDB) decretou três dias de luto oficial. Doria tentara sua expulsão do partido em 2018, mas a Executiva tucana barrou a medida. O enterro deve ser nesta segunda-feira, 2, no cemitério israelita do Butantã
Nascido em 12 de outubro de 1937, em São Paulo, Goldman era filho de Dora, uma dona de casa, e do alfaiate polonês Wolf Goldman. Seu avô paterno tinha uma loja de tecidos em uma cidade da região de Lublin (Polônia). O ex-governador viajara ao país e tentou achar os jazigos da famílias, mas o cemitério fora destruído. “Os nazistas levaram os vivos e os mortos também.”
No Brasil, seu pai trabalhou como alfaiate e, depois, montou uma confecção. A família morava no Bom Retiro, em São Paulo. Alberto Goldman cursou a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, onde se formou engenheiro civil. Ali começou a militância. “No primeiro ano me filiei ao partido.” Era 1955.
O partido era o Partido Comunista Brasileiro, o PCB. “Minha mãe havia sido militante comunista na Polônia. E meu pai era próximo.” O menino conviveu com discussões em casa, durante a guerra. Quando deixou a faculdade permaneceu ligado ao grupo da comunidade judaica do Bom Retiro, uma militância clandestina. Trabalhava então em uma empresa de engenharia que abriu. “Participava das reuniões e discussões.”
Em 1969, após o Ato Institucional-5, foi procurado pelos dirigentes do partido Moacir Longo e Hércules Corrêa dos Reis, ambos cassados pelo regime. “Em nome do comitê estadual, eles me comunicaram que o partido queria que eu fosse candidato a deputado estadual.” Os militares haviam acabado de cassar em 1968 o deputado Fernando Perrone (MDB), o homem do PCB na Assembleia Legislativa.
“Resisti durante meses. Não queria entrar nisso.” Quando decidiu ser candidato, enfrentou a oposição do pai. “Meu pai fazia campanha contra mim, achando que eu havia enlouquecido. E acho que ele tinha razão.” Era o começo da carreira que não teria mais fim. Goldman acreditava que não seria eleito. Mais do que isso. Não acreditava que teria o registro na Justiça Eleitoral. “Quando decidiu pelo registro da candidatura, o desembargador Adriano Marrey disse: ‘Tem aqui uma série de informações do Dops, mas para mim informações do Dops não valem nada’.”
Durante a campanha, teve os passos vigiados pela polícia política. “Onde eu ia eles me acompanhavam.” Fazia comícios na porta de fábricas, com um caixote e um megafone para discursar contra o governo. Elegeu-se em 1970 pelo MDB com o apoio do partido. Recebeu 17.226 votos.
Depois de eleito, seus discursos criaram a impressão nos colegas de que seria cassado. Com o tempo a repressão se abateu sobre o PCB, que buscava uma política de frente democrática contra a ditadura militar. Após as primeiras prisões, em 1972, Goldman temeu ser detido. Atravessou a década de 1970 sob vigilância. Foi avisado por Ivahir Rodrigues Garcia, delegado de polícia e deputado estadual (Arena), que tinha os passos controlados. “Sou teu colega aqui. Você tem duas funcionárias, uma delas é agente do Dops.”
Em 1974, foi reeleito deputado estadual com 75 mil votos, o segundo mais votado do Estado em meio a avalanche de votos dada ao MDB. Tornou-se líder da bancada, que tinha então dois terços da Assembleia Legislativa. Conviveu com o governador Paulo Egydio Martins (Arena), que lhe mandava os projetos antes, iniciando uma relação que se transformaria em amizade.
Em 1975, após a morte do jornalista Vladimir Herzog no Destacamento de Operações de Informações (DOI), do 2.º Exército, o governador chamou a bancada do MDB ao Palácio dos Bandeirantes para um encontro com o presidente Ernesto Geisel. Goldman disse a Geisel: “Presidente, estão matando gente em São Paulo”. Geisel ouviu o relato cercado pelos emedebistas. “Eu sei”, respondeu.
Meses depois, após mais uma morte no DOI – a do operário Manoel Fiel Filho -, o presidente removeria do comando do 2.º Exército o general Ednardo D’Ávila Mello. Para acalmar a linha dura, cassaria dois deputados comunistas – Nelson Fabiano e Marcelo Gatto. “Por algum fator que não sei explicar, nunca fui cassado”, disse Goldman.
Em 1978, elegeu-se deputado federal e seria reeleito em 1982 pelo MDB. Em 1986, após a legalização do PCB em 1985, torna-se líder do partido na Câmara e integrante do Comitê Central. Candidatou-se pelo partido e, pela primeira vez, não foi reeleito. “Meu voto era muito PMDB.”
PSDB
Torna-se secretário de coordenação de programas do governo de Orestes Quércia (PMDB) em 1987 e, em seguida, deixa o PCB e retorna ao PMDB. Em 1990, apoia a candidatura de Luiz Antonio Fleury Filho ao governo do Estado. “Foi uma invenção nossa. Uma infeliz invenção. A outra foi o (Michel) Temer, que ajudei a tornar líder do PMDB.” No quercismo, o ex-governador permaneceria até 1996. Ingressou então no PSDB.
Ministro dos Transportes no governo Itamar Franco (1992-1995), foi deputado federal até se eleger vice-governador na chapa de José Serra (PSDB) em 2006. Assumiu o governo do Estado em 2010 após a renúncia do colega, que disputou a Presidência. “Quando saí do governo em 2011, decidi pagar minhas dívidas com os filhos e netos. Nos 40 anos de política não os vi crescerem. Um dos meus filhos é traumatizado.” O menino assistia à televisão nos anos 1970 e ouviu o nome do pai. Era um militar que acusava Goldman de subversão. “Meu filho me perguntou: ‘Pai, você é comunista?’ Hoje ele tem 50 anos. Ficou traumatizado.”
Tornou-se vice-presidente do PSDB e um dos principais adversários do governador João Doria. Quando Doria disse que ele era “um improdutivo e vivia de pijamas”, respondeu: “Sou velho, mas não sou velhaco”. Doria esteve por trás da decisão do Comitê Municipal de São Paulo de expulsar Goldman do PSDB em 2018 em razão do apoio à candidatura de Márcio França (PSB) ao governo paulista.
No dia 19 de agosto, foi ao hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, para tomar antibióticos, mas ficou sonolento. Um exame de tomografia acusou um sangramento no cérebro. Seguiu diretamente para cirurgia – qualquer novo sangramento poderia ser fatal. Goldman deixa a mulher, Deuzeni Trisoglio, cinco filhos e quatro netos. “Minha vida política foi mais do que fazer proselitismo. Foi minha forma de contribuir com o País.”
Repercussão
“Goldman enfrentou corajosamente o regime autoritário e, na posterior redemocratização, participou ativamente da reconstrução do desenvolvimento de São Paulo e do Brasil. Seu espírito público fará falta na política brasileira.”
José Serra, senador (PSDB-SP)
“Goldman desaparece quando o Brasil mais precisa de pessoas como ele, capazes de pensar uma alternativa reformista, democrática e popular, e agir para torná-la realidade.”
Aloysio Nunes Ferreira, ex-ministro
“Goldman tinha uma enorme coerência entre o falar e o fazer, uma vida pautada pelo espírito público. Tinha sensibilidade social e apreço pela democracia.”
Geraldo Alckmin, ex-governador
“Alberto Goldman, amigo e companheiro de lutas políticas no velho Partidão e junto com ele no PSDB nas andanças democráticas em São Paulo e Brasil. Um amigo. Grande perda.”
Roberto Freire, presidente do Cidadania
“Uma perda para a família, para o Estado e para o País.”
João Doria, governador de São Paulo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.