O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, irritou membros da CPI da Covid por evitar responder perguntas sobre a atuação do presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento da pandemia.
Queiroga depôs nesta quinta-feira (6) na comissão, em sessão também marcada por atos de obstrução dos trabalhos por senadores governistas. Após mais de sete horas, o depoimento no Senado prosseguia no começo da noite.
“Os senadores próximos ao Planalto contestaram a atuação do relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), e reagiram a cada pergunta mais incisiva e direta, para tentar evitar respostas que pudessem contrariar os interesses do governo Bolsonaro.
Na quarta (5), parlamentares aliados do presidente tiveram uma reunião com ministros palacianos para tentar traçar algumas estratégias a serem usadas na CPI.
Queiroga tentou driblar perguntas relativas ao posicionamento pessoal do presidente da República, recusou-se a dar sua opinião sobre o uso da hidroxicloroquina (medicamento sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid) e não quis fazer uma avaliação das condições do ministério e das ações de enfrentamento à pandemia no momento em que assumiu o cargo.
Queiroga se tornou ministro em março, em substituição ao general Eduardo Pazuello, que saiu bastante criticado por sua atuação, com atraso na contratação de vacinas e colapso do sistema.
O atual ministro respondeu que não recebeu nenhuma orientação de Bolsonaro referente ao uso da hidroxicloroquina, mas se recusou a avaliar a posição do presidente em defesa do medicamento.
“Todos nós estamos aguardando a resposta. Não tem três palavras, só tem uma: ‘sim’ e ‘não'”, disse o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM). “Até minha filha de 12 anos falaria ‘sim’ ou ‘não'”, completou.
Queiroga também disse desconhecer a existência de um “ministério paralelo”, expressão que membros da comissão têm usado em razão da possibilidade de o presidente receber aconselhamento de pessoas alheias à pasta para questões de saúde.
O ministro da Saúde, que é médico, também se recusou a dar sua própria avaliação sobre o uso da hidroxicloroquina para tratar Covid-19.
Afirmou que a instância adequada para analisar essa questão seria a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), da qual faz parte, que está elaborando um protocolo.
“Segundo o decreto-lei que regulamenta a Conitec, eu sou instância final decisória. Então, eu posso ter que dar um posicionamento acerca desse protocolo, de tal sorte que gostaria de manter meu posicionamento final acerca do mérito do protocolo quando o protocolo for elaborado”, disse.
Posteriormente, ele reconheceu que a hidroxicloroquina pode causar arritmias cardíacas. “A instância própria é essa. Esta é a instância”, reagiu o relator, Renan Calheiros.
O ministro da Saúde não soube dar certeza a respeito de ações de sua pasta para a distribuição de cloroquina para estados e municípios –apenas disse que não tinha conhecimento.
“Eu não autorizei distribuição de cloroquina na minha gestão. Eu não tenho conhecimento de que esteja havendo distribuição de cloroquina na nossa gestão”, disse Queiroga, após ser questionado.
Em diversos momentos do depoimento, Queiroga disse que não faria “juízo de valor” e assim evitou responder diretamente a perguntas feitas pelos parlamentares.
O ministro deu essa resposta, por exemplo, quando questionado se concordava com a declaração de Bolsonaro de que poderia editar decreto contra a política de isolamento social.
Após a insistência na pergunta, apenas respondeu que Bolsonaro pensa em preservar a liberdade das pessoas e que, com isso, ele concordava. Por outro lado, reconheceu que não foi consultado pelo Palácio do Planalto a respeito de uma medida nesse sentido, apesar de sua pasta estar no centro das discussões.
Queiroga se recusou a responder até mesmo a questões atuais, se envolvesse de alguma forma emitir uma opinião a respeito de gestões anteriores à frente do Ministério da Saúde. Senadores perguntaram, por exemplo, detalhes a respeito das negociações para a compra das vacinas da Pfizer e da russa Sputnik.
“Eu não participei dessas tratativas”, disse o ministro da Saúde. “Mas o senhor está tratando do contrato da Pfizer. O senhor não teve acesso a isso?”, questionou Renan Calheiros. “Não leva em consideração [para as negociações atuais] os contratos anteriores e as tentativas, o histórico?”
Por outro lado, o ministro se mostrou desenvolto para responder as perguntas de senadores governistas. Ciro Nogueira (PP-PI) perguntou o que Queiroga achava sobre a fala do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, na qual disse que o Brasil poderia ter começado a vacinação em novembro do ano passado.
“Impossível, não é? O primeiro país do mundo a vacinar foi a Inglaterra, em dezembro, com a vacina da Pfizer. Como é que nós poderíamos começar a nossa campanha em novembro? Quer dizer, muito difícil”, respondeu o ministro.
Renan Calheiros então ironizou o ministro. “Eu quero cumprimentar o ministro e cumprimentar também o senador Ciro Nogueira, porque, após o advento das perguntas do senador Ciro Nogueira, o interrogado começou a fazer juízo de valor”, disse.
Vice-presidente da comissão, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que mesmo as negativas de respostas do ministro da Saúde oferecem elementos e contribuem com o trabalho da CPI
“Troque ‘não farei juízo de valor’ por ‘não concordo com isso’, aí eu acredito que nós temos a linha continuada a partir do depoimento do senhor Mandetta, que no meu sentido indica que o governo federal adotou deliberadamente a estratégia de contaminação coletiva, de contaminação natural, de imunidade coletiva, imunidade natural ou podemos chamar de imunidade de rebanho”, afirmou.
Em rara opinião sobre falas de Bolsonaro, Queiroga disse que desconhece “indícios de guerra química na China”. Na véspera, o presidente havia levantado essa possibilidade.
“É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou por algum ser humano [que] ingeriu um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra?”, disse Bolsonaro em evento no Palácio do Planalto na quarta (5).
“Qual o país que mais cresceu seu PIB? Não vou dizer para vocês.”
O ministro da Saúde também foi questionado sobre a quantidade de vacinas contratadas pelo país e se confundiu ao dizer o número.
Inicialmente, ele falou que houve contratação de 563 milhões de doses de imunizantes, mas foi corrigido por um assessor e alterou para 430 milhões a quantidade. A diferença entre os números é referente a doses que a Fiocruz produzirá.
Grande parte da discussão durante a sessão, no entanto, se deu em torno do uso da hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19. A senadora Simone Tebet (MDB-MS) brincou que o nome da comissão deveria ser mudado para CPI da Cloroquina –ela é crítica do uso desse medicamento.
Presidente da CPI, Aziz contou que a médica Nise Yamaguchi, defensora do uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 mesmo sem comprovação científica, pediu para ser ouvida na comissão.
Aziz comunicou aos colegas que o colegiado deverá ouvi-la. Já há requerimento, assinado por senadores aliados do governo Jair Bolsonaro, para convidar a pesquisadora a prestar depoimento na CPI.
Yamaguchi tornou-se conhecida por ser uma das médicas consultadas pelo presidente para referendar a defesa do mandatário do uso do medicamento contra o coronavírus, o que não tem comprovação científica.
Queiroga foi a terceira autoridade ouvida pelos senadores na CPI da Covid. Antes dele, houve o depoimento dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.
O presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, seria ouvido também nesta quinta, mas o depoimento foi adiado para a próxima terça-feira (11). Com isso, o depoimento do ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten fica remanejado para o dia seguinte.
Na quinta-feira (13), serão ouvidos o ex-chanceler Ernesto Araújo e representantes da Pfizer.