Os militares buscam dinheiro privado para manter as atividades da TV pública do governo federal. Condenada pelos bolsonaristas na campanha eleitoral de 2018 e no começo da atual gestão, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) ainda provoca disputa no Palácio do Planalto. A equipe do secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten, e o grupo do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) não desistiram de extinguir o sistema de emissoras de rádio e TV. O presidente Jair Bolsonaro chancelou, no entanto, a proposta dos ministros generais de alavancar a EBC por meio do Programa de Parceria de Investimentos (PPI). A estratégia facilita a entrada de recursos externos e dá uma sobrevida à companhia.
No último dia 12, o Diário Oficial publicou a resolução que permite a integração da EBC ao PPI. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) será o responsável por um estudo, com prazo de até um ano, para avaliar a proposta. Um comitê interministerial, integrado pela Secretaria de Governo da Presidência, Casa Civil e Ministério da Economia, será criado para acompanhar e opinar sobre o negócio.
Em maio, a ala civil do governo pôs em prática o plano de acabar com a EBC. O próprio Bolsonaro chegou a dizer, em entrevista, que a empresa “não serve para nada”. “Tem que extinguir aquilo lá”, afirmou. Os militares, porém, entraram em ação com palavras que soaram como música para quem foi formado na caserna. O argumento usado por eles foi o de que a empresa, embora pesada, é “estratégica” e ajuda na “segurança nacional”. Mesmo assim, a tesourada no orçamento da emissora chegou a 18%: passou de R$ 614 milhões neste ano para R$ 504 milhões em 2020.
A extinção da EBC une divergentes. Carlos Bolsonaro, por exemplo, é um crítico mordaz do trabalho de Fábio Wajngarten. Na quinta-feira passada, o vereador usou o Twitter para dizer que a comunicação do governo é “uma bela porcaria”. O secretário não respondeu.
Os militares convenceram Bolsonaro a levar um novo plano de gestão da empresa. A ideia é que ela vire uma espécie de “BBC brasileira”, que receberia capital privado, mas seria controlada pelo governo. Por ironia, quando Luiz Inácio Lula da Silva era presidente, os petistas também disseram que transformariam a EBC na British Broadcasting Corporation, o complexo britânico de rádios, TVs e agências, fundado em 1922, em Londres, custeado por recursos públicos, privados e uma taxa de licença a todas as residências com televisores na Inglaterra.
Joia rara. Em novembro, o general Luiz Carlos Pereira Gomes, presidente da EBC, lançou uma nova identidade visual da empresa para, segundo ele, alcançar modernidade, eficiência, sustentação econômica e financeira. Mudou a logomarca azul, herdada de governos do PT, para uma verde e amarela. Há uma alusão ao mapa do Brasil, com a união de seus pontos extremos.
O ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, também indicou que a EBC – subordinada à pasta comandada por ele – não é mais um patinho feio para o Planalto. “Sei dessa joia rara que é a Empresa Brasil de Comunicação, que nós todos amamos.”
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, então ministro da Secretaria de Governo, foi o primeiro integrante da equipe de Bolsonaro a fazer uma radiografia da EBC. Embora tenha prosseguido com o enxugamento iniciado na gestão de Michel Temer, ele se posicionou contra a extinção do grupo de comunicação. Observou que, naquele momento – com a maioria dos funcionários concursados -, a empresa tinha gasto R$ 70 milhões em equipamentos e tomava medidas de melhoria de gestão. Santos Cruz foi demitido em junho.
A EBC começou a ser chamada de “TV do Lula” em 2007, quando sofreu uma reformulação. Aposentou o nome de Radiobrás e passou a funcionar no subsolo de um shopping, até então decadente, de Brasília. O valor anual do aluguel de 2019 é de R$ 7,8 milhões. O contrato vai até o fim do próximo ano.
De 1.600 funcionários, a EBC pulou para 2.600 no fim do governo Dilma Rousseff. A empresa tinha despesa de R$ 200 milhões por ano e passou a gastar mais de R$ 500 milhões. Temer reduziu o número de funcionários para 1980. Hoje, 1.882 trabalham na EBC, de acordo com a empresa.
O plano audacioso não garantiu nem mesmo que o canal da TV Brasil chegasse a meio ponto de audiência e um ponto de share (porcentual de aparelhos ligados no horário de exibição do programa). A EBC está em sétimo lugar entre as emissoras abertas, atrás da TV Cultura, do governo paulista.
Ditadura expandiu rádios na Amazônia
Embora tenha adotado o sistema de microondas e torres da Embratel, nos anos 1970 – medida que possibilitou a expansão do sinal da TV no País -, a ditadura militar optou por investir em rádio na Amazônia. Era época de guerrilhas rurais, que ouviam nos rincões da floresta a frequência de rádios comunistas de Havana e do Leste Europeu. Foi nesse período que a então Radiobrás ganhou importância, sendo considerada uma empresa estratégica.
Foram inauguradas 12 emissoras de rádios, além de algumas TVs, em cidades da fronteira e nas capitais da Amazônia Legal. A principal emissora do grupo era a Rádio Nacional da Amazônia, que transmitia por ondas curtas e passou a entrar em cidades remotas.
A TV do “Brasil Grande” – como ficou conhecida a política desenvolvimentista instalada pelo governo militar – não passa, atualmente, de “TV Traço”, segundo os críticos, que apontam a baixa audiência dos programas. Para um grupo político que ganhou a eleição presidencial de 2018 erguendo uma rede na internet de propagação de mensagens e vídeos de Jair Bolsonaro, a estrutura da EBC é um mastodonte. Os militares, por sua vez, dizem que não é possível manter um governo, pelo menos em boa parte do território nacional, só com um celular na mão e um sinal de internet.
Os generais observam que a audiência dos produtos da EBC não é nominal, mas multiplicada pelas emissoras, portais, jornais e todos os segmentos da mídia, que replicam o seu conteúdo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.