Militantes da resistência à ditadura militar que ficaram presos na Polícia do Exército (PE), na Vila Militar (zona oeste do Rio), reviveram nesta quinta-feira, 23, um pouco dos dias de cárcere e tortura durante visita à antiga unidade, organizada pelas Comissões Nacional e Estadual da Verdade. O prédio está totalmente modificado e hoje abriga salas de trabalho, alojamento e refeitório da Companhia de Comando da 1ª Divisão do Exército. Os ex-presos políticos contaram em detalhes a disposição das celas e corredores da PE para os peritos das comissões da verdade.
A visita foi preparatória para audiência pública, marcada para esta sexta-feira, 24, sobre as mortes de dois presos torturados nas dependências da PE, em 1969. Cinco militares que serviam na unidade militar e foram acusados de tortura estão convocados a depor. Até agora, os militares que compareceram a audiências das comissões se recusaram a falar ou negaram envolvimento em tortura e morte dos presos.
“Passamos por aqui, fomos torturados. Visitar o passado não é nenhuma festa. A localização física significa pouco, importante para nós é que nossos algozes tenham a hombridade de comparecer amanhã (esta sexta-feira) e, quem sabe, aconteça o milagre de eles fazerem uma autocrítica”, disse o ex-militante Francisco Celso Calmon, que, como muitos outros presos levados para a PE, seguia a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR Palmares).
A audiência desta sexta discutirá a morte sob tortura do sargento da Polícia Militar Severino Viana Colou, integrante do Comando de Libertação Nacional (Colina), em maio de 1969, e do estudante de medicina Chael Charles Schreirer, em novembro do mesmo ano. Preso em 16 de outubro de 1969, o cineasta Silvio Da-Rin disse que o corpo de Schreirer ficou estirado diante da cela onde estava durante uma hora, até que os militares decidissem retirá-lo de lá.
“Chael chegou cinco semanas depois da minha prisão. Numa madrugada, houve grande tumulto, ouvimos três vozes, duas masculinas e uma feminina, de presos que estavam sendo torturados. Minha cela ficava no primeiro corredor interno, vi Chael sendo arrastado para o banheiro e depois o corpo ficou na minha frente”, afirmou Da-Rin. Os dois torturados com Schreirer foram o jornalista Antônio Roberto Espinosa, que participou nesta quinta-feira, 23, de visita e estará sexta-feira na audiência pública, e a guerrilheira Maria Auxiliadora Lara Barcelos, que estava entre os 70 presos trocados pelo embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, em 1971, e se suicidou no exílio, na Alemanha, em 1976.
Integrante da Comissão Nacional da Verdade, a advogada Rosa Cardoso disse que o grupo foi recebido com “bastante cordialidade” pelo comandante da 1ª Divisão do Exército, general José da Costa Abreu. “Ele compreendeu os objetivos da visita, que é o reconhecimento do local onde houve tortura e extermínio”, afirmou. Representante da comissão estadual, João Ricardo Dornelles disse que a partir de 13 de março será realizada no Rio um série de eventos para marcar a “descomemoração” dos 50 anos do golpe militar, com ato público, seminários, exposições e manifestações em frente a locais de prisão e tortura dos presos políticos. As comissões da verdade trabalham para que essas antigas unidades da repressão sejam transformadas em centros de memória da resistência e das vítimas do regime militar.