O deputado federal eleito com a mais expressiva votação de nossa história, como todos sabem, em razão da legenda, elegeu consigo mais uns tantos outros, dentre os quais alguns com inexpressiva votação, pouco mais de duzentos votos; impedindo a eleição de candidatos com milhares de votos.
Ao viajar com o controle remoto, pelos canais da televisão a cabo, defrontamos com a figura do mítico deputado federal, acompanhado de sua companheira de partido, a dar explicações a respeito da vultosa importância de R$ 5.000 que teriam cobrado para permitir que seus candidatos (ou pretensos candidatos) pudessem utilizar a legenda. Discute-se com intensidade e emoção, como se a reprovação de semelhante atitude fosse resolver todas as questões da legitimidade do sistema eleitoral.
Na verdade, o que se me afigura é que a questão de fundo fica ao largo. Na mídia nenhuma palavra, nenhuma discussão séria e de fundo, a respeito da legitimidade do sistema eleitoral brasileiro.
De fato, a eleição de vários candidatos sem qualquer expressão eleitoral veio a demonstrar de forma irrefutável a legitimidade do voto em candidato regional, através do voto distrital misto.
O voto em que o eleitor elege representantes de atuação circunscrita a uma região eleitoral funda-se no princípio de que a escolha de parlamentares pelo eleitorado deve ocorrer em âmbito o mais reduzido possível, de modo a compatibilizar população e território, ensejando um contato mais próximo entre o candidato e seus eleitores.
Alguns dos defensores do voto regional sustentam que ele traz os candidatos para mais perto da sociedade, propiciando um controle real destes, minimizando, por outro lado, a influência do poder econômico e dos meios de comunicação nas eleições. Ademais, o voto distrital tornaria os partidos políticos mais homogêneos, pois, se no sistema proporcional candidatos de um mesmo partido se digladiam numa mesma região eleitoral, enfraquecendo-o, pelo sistema regional cada candidato concorre com outros de partidos diferentes.
Há quem sustente de lege ferenda, a delimitação das regiões em cada Estado federado deveria ser atribuída à Justiça Eleitoral, tarefa inçada, sem dúvida, de dificuldades, decorrentes da diversidade de condições das regiões brasileiras.
Na Grã-Bretanha, o primeiro-ministro é eleito indiretamente pelo povo; este vota em candidatos regionais, que, por sua vez, elegem determinado candidato a primeiro-ministro.
Logo após a Segunda Grande Guerra, a República Federal Alemã desenvolveu um sistema regional misto, em que combinava-se a eleição por regiões uninominais por maioria simples, com uma representação proporcional global. Metade das vagas a preencher no Parlamento (Bundestaq) são preenchidas mediante eleição em regiões uninominais pelo princípio majoritário simples, mas na composição total da Câmara cada partido conta com um número de representantes equivalente à proporção de seus votos em face do total apurado. Para tanto, acrescentam-se aos seus candidatos eleitos nos distritos tantos quantos forem necessários, tirados de uma lista inscrita pelo partido, na ordem de sua inscrição nessa lista.
Assim, o eleitor dispõe, em verdade, de dois votos: um deles vai para o candidato pela região do eleitor, elegendo-se quem obtiver maioria simples, ao passo que o outro pode ir para um partido que não precisa ser o do candidato de sua preferência.
No Brasil, durante a vigência da Constituição de 1967, a EC 22, de 29.6.1982, inseriu, para vigência futura, no Art. 148, parágrafo único, do texto constitucional, o sistema distrital misto, assim dispondo referido parágrafo: “Igualmente na forma que a lei estabelecer, os deputados federais e estaduais serão eleitos pelo sistema distrital misto, majoritário e proporcional”. Todavia, a EC 25, de 15.5.1985, revogou tal dispositivo. Tratava-se, com efeito, de um modelo similar ao alemão, desconsiderado pela CF, que consagrou o sistema proporcional para a Câmara dos Deputados.
Entendemos, com o ministro Pedro Malan (5 de outubro de 1997 – O Estado de S. Paulo), que a experiência de democracias consolidadas mostra a importância de partidos políticos como veículos de atração de novas gerações para a política, formação de quadros, da transmissão de experiências, como um locus de aglutinação de determinadas idéias.
Obriga-os a definir com clareza não só projetos de poder como projetos de país, não só para a próxima eleição, mas anos à frente, a explicitar com clareza a natureza das alianças necessárias para materializar o projeto em mente. A idéia de partidos consolidados é um elemento fundamental. Gostaria que tivéssemos um maior grau de fidelidade partidária, o que talvez exija partidos que tenham aprofundado a sua reflexão sobre seu projeto de País.
E neste sentido de importância, quando se discute o destino da nação, há vantagens inegáveis num sistema de voto distrital misto: você elege pessoas que são mais próximas do município, da comunidade, e são mais facilmente cobradas pelo eleitorado em termos de demandas da região.
Por tais fundamentos é que entendemos, não como exercício político-partidário, mas como exercício direto da cidadania constitucionalmente assegurada, que é dever de todos repensar o sistema eleitoral brasileiro, colocando em pauta de discussões o voto distrital misto.
J. S. Fagundes Cunha
é doutor em Direito pela UFPR, juiz de Direito e coordenador da Faculdade de Direito dos Campos Gerais.