A pré-candidata do Partido Verde (PV) à presidência da República, senadora Marina Silva (AC) esteve em Curitiba na última quinta-feira, onde anunciou seu afastamento temporário das atividades parlamentares para dedicar-se à reorganização do partido e à elaboração do seu programa de governo. Com a desistência do PSB de lançar o deputado federal Ciro Gomes à presidência, a ex-ministra do Meio Ambiente no governo Lula é a única presidenciável que pode ameaçar a tendência de polarização da disputa de outubro deste ano entre a ex-ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT) e o ex-governador de São Paulo, José Serra (PSDB). A senadora conversou com O Estado durante o evento Unibrasil Futuro, ciclo de debates nas faculdades Unibrasil, e disse que será a alternativa à “armadilha do plebiscito” que se quer montar nesta eleição.
O Estado – A senhora pediu afastamento do Senado para ter tempo para as atividades partidárias neste período pré-eleitoral. O que falta ser feito no PV para colocá-lo em condições de disputar o pleito de outubro?
Marina Silva – É a revisão programática. Que tem a ver com o programa do partido, e tem tudo a ver com o nosso programa de governo, ainda que não seja a mesma coisa. O programa do partido visa atualizá-lo na questão de ter o desenvolvimento sustentável como eixo estratégico, a posição que ocupa o tema das mudanças climáticas, que ainda não estava contemplada adequadamente no antigo programa, e uma série de outras ações que precisam ser atualizadas. Ao mesmo tempo, estou à frente do projeto dos eixos estruturantes do programa de governo do partido, coordenado pelo professor Paulo Sandroni, da Fundação Getulio Vargas. Meu afastamento é um afastamento temporário, sem ônus para o Senado e que eu posso voltar a qualquer momento, se tiver necessidade. Porque temas interessantes, como a questão do código florestal, a regulamentação do artigo 23, em que a bancada ruralista colocou lá um artigo dizendo que o Ibama não terá mais competência para fiscalizar desmatamento. Então eu pedi o afastamento, mas de uma forma que eu possa voltar quando for importante para o interesse do País. Mas eu não tenho como assumir essa tarefa e, ao mesmo tempo, estar no Senado, porque eu não quero ficar faltando às sessões de votação.
OE – E o que será contemplado neste programa do PV que não são abordados pelos programas do PT e do PSDB?
MS – É a visão de modelo de desenvolvimento. Nos outros partidos, se tem uma visão tradicional do “crescimentismo” e do desenvolvimentismo, que não consideram as bases naturais de nosso desenvolvimento. Não consideram os artigos ambientais como parte da dinâmica econômica. Nós consideramos e vamos mostrar que é possível crescer, proporcionar a melhoria na qualidade de vida das pessoas e proteger as bases naturais de nosso desenvolvimento.
OE – E o brasileiro está preparado para receber e compreender esse novo programa?
MS – O importante é que as pessoas estão abertas para a possibilidade de mudança, tendo a clareza de que a mudança não acontece da noite para o dia, é um processo. E temos que ser honestos em dizer que não existe modelo a ser copiado. É uma construção que estará sendo feita, mas precisa ser feita a partir de agora. Qual é o incômodo que nós temos? É que tanto a candidatura do Serra quanto a da ministra Dilma, eles fazem o debate com base nos paradigmas do final do século 19 e do século 20 e o que nós precisamos é, sem abrir mão dos dispositivos das conquistas destes séculos, transitarmos para o século 21 com uma economia de baixo carbono. Esse é o grande desafio e essa é a diferença do projeto que nós estamos propondo. Não é o projeto do PV, é um movimento da sociedade brasileira. Se fosse só do PV, não tem como prosperar. É algo que tem que ser, feito por empresas, pela academia, pelos cidadãos e cidadãs de um modo geral.
OE – Como a senhora vê o PV do Paraná para essa eleição?
MS – O PV está se definindo no Paraná. Teremos candidaturas próprias ao governo do Estado e ao Senado. Ao governo, nosso nome, Saul, já está em processo de pré-campanha. O importante é que há quase dois meses das convenções, o PV do Paraná já se definiu por candidatura própria e já tem até os nomes postos.
OE – Muitos comparam sua trajetória à do presidente Lula, pela infância pobre e a notoriedade alcançada. A senhora aceita essa comparação?
MS – Fico honrada com a lembrança, mas, humildemente, reconheço que a trajetória dele é incrível. O Lula é o homem que saiu do ABC para a presidência da República. Eu ainda estou construindo essa minha trajetória e, quem sabe, não seja mais um de tantos Silvas do Brasil com uma história como essa.
OE – Quando, no ano passado, a senhora deixou o Ministério, trocou de partido e apresentou-se como pré-candidata à presidência da República, foi muito criticada por pessoas dentro do PT. Como recebeu esses comentários e que críticas a senhora tem ao PT que a fizeram sair do partido?
MS – Eu tenho uma relação com o PT e com as pessoas do PT de 30 anos. Tenho um respeito profundo por essa minha trajetória dentro do PT e por pessoas que continuo considerando meus companheiros, a maioria deles. Os erros cometidos por alguns, não podem ser generalizados para todos, eu faço essa diferenciação. Eu saí do PT pelas mesmas razões que fiquei durante 30 anos. Fiquei 30 anos lutando pelas causas sociais, pelos direitos humanos e pelo desenvolvimento sustentável. Acho que nas causas sociais, o PT sempre teve uma posição de vanguarda. Agora, nessa que é a utopia deste século (sustentabilidade), não foi capaz de acompanhar. Então, eu saí por essa razão. Mas, graças a Deus, não tenho relação de mágoa, tenho relação de respeito e me causa um certo estranhamento quando algumas pessoas dizem que estou fazendo o jogo disso ou o jogo daquilo. Ainda é reflexo da falta de compreensão de alguns de que Meio Ambiente é o próprio jogo. E não o jogo do Serra, ou o jogo de quem quer que seja. Esse é o jogo que precisa ser jogado e que todos estão convidados, inclusive o PT.
OE – O PT nunca escondeu o interesse de fazer desta eleição um embate entre o modo de governar do presidente Lula e a forma de governo do PSDB, comparando os dois últimos governos e polarizando a disputa. Com a decisão do PSB de não lançar Ciro Gomes, a senhora é a única alternativa para evitar esse “plebiscito”?
MS – Eu acho que o povo brasileiro vai sair da armadilha do plebiscito. Ainda que tenham feito de tudo para tirar o Ciro da disputa, que foi uma perda para a democracia. Acho que a saída do Ciro não beneficia a ninguém. O que não beneficia a democracia e o público em geral, não pode beneficiar alguém individualmente.
OE – E num eventual segundo-turno entre Dilma e Serra, para quem iria seu apoio?
MS – Sabe que fico me perguntando se vocês fazem essa pergunta para a Dilma e para o Serra? É um determinismo histórico. A gente olha para as coisas e parecem já dadas. No Acre, venci uma eleição largando com 3% contra adversários com 30% e 60%. Hoje estou perto dos 10%. E, naquele tempo, brincavam comigo, me chamavam de senadora para zombar. Pois, naquela eleição, fui eleita e a mais votada no Acre. Hoje, no Congresso, alguns passam por mim e dizem: “Vai lá presidente” e eu digo: “Cuidado, que os anjos dizem amém a cada segundo”. As coisas não são determinadas quando se trata de consciência, da visão e do desejo de um povo que se destina a mudar. Então, só discuto segundo turno no segundo turno. Daí, vou conversar com quem não for para o segundo turno comigo.