O advogado João Mestieri avalia que a Lei Anticorrupção ‘é uma realidade que acabou se impondo, de fora para dentro, para as empresas brasileiras’. Para ele, o cenário internacional ‘já vive essa realidade, de disciplinar a vida empresarial no sentido de combater a corrupção como um mal endêmico na maioria dos países’.

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Professor da PUC/RJ (Direito Penal, Direito Processual Penal, Criminologia e Sociologia do Direito)-, João Mestieri é um veterano profissional da advocacia. Ele é, por exemplo, advogado do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, primeiro delator da Operação Lava Jato.

Nessa entrevista à reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, João Mestieri fala da lei anticorrupção (12.846), em vigor desde 2013, que pune empresas por atos de corrupção contra a administração pública – ‘as empresas serão responsabilizadas por práticas ilícitas e poderão pagar multa de até 20% de seu faturamento’.

Ele faz um alerta: “Se a lei vai ou não ‘pegar’ é questão a ser cuidada desde agora. Certo que em nossos dias e, de modo especial, nessa matéria de controle da honestidade na condução dos negócios, a mesma pressão que ajudou a criar a lei, deve ser presente na manutenção de seus princípios e no evitar desvios, temperamentos e interpretações, digamos, ‘especiais’.”

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João Mestieri assinala que o eventual enquadramento das empreiteiras alvos da Lava Jato na Lei Anticorrupção só é aplicável aos fatos ocorridos posteriormente à sua vigência. “Portanto, os fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor são regidos pela normatividade penal vigente ao tempo de sua ocorrência, salvo disposição de lei posterior mais benéfica.”

Questionado se as empreiteiras citadas por cartel e corrupção na Operação Lava Jato podem ser enquadradas na Lei Anticorrupção, Mestieri afirma que o “enquadramento das empresas da Lava Jato na Lei Anticorrupção – segundo principio de base constitucional, inscrito no artigo primeiro de todos os nossos códigos penais, a lei penal só é aplicável aos fatos ocorridos posteriormente à sua vigência”. E conclui, “portanto, os fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor são regidos pela normatividade penal vigente ao tempo de sua ocorrência, salvo disposição de lei posterior mais benéfica. O conteúdo das diferentes denúncias oferecidas pelo Ministério Publico Federal nas várias ações penais já propostas contra vários réus da Lava Jato, bem demonstra essa realidade. De outro lado, certas regras processuais podem desde logo ser aplicadas, bem como os princípios da lei referentes à colaboração premiada, à leniência e outros. São realidades processuais e que envolvem o direito material, mas aplicáveis inteiramente à espécie porque respondem à realidade do momento processual em que se apresentam”.

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Para o advogado a Lei Anticorrupção brasileira não é “uma iniciativa pioneira no cenário internacional; muito ao contrário, é realidade que acabou se impondo, de fora para dentro, para as empresas brasileiras, porque o cenário internacional já de algum tempo vive essa realidade, qual seja, a de disciplinar a vida empresarial no sentido de combater a corrupção como um mal endêmico na maioria dos países. Se a lei vai ou não “pegar” é questão a ser cuidada desde agora. Certo que em nossos dias e, de modo especial, nessa matéria de controle da honestidade na condução dos negócios, a mesma pressão que ajudou a criar a lei, deve ser presente na manutenção de seus princípios e no evitar desvios, temperamentos e interpretações, digamos, ‘especiais'”.

Segundo Mestieri, o primeiro desafio enfrentado pela lei “foi a sua regulamentação que, consoante parecer de alguns especialistas, já abrandou consideravelmente os efeitos da mesma lei, comprometendo a sua plena eficácia”. Para ele, o ‘vigor’ da Lei Anticorrupção no Brasil “dependerá muito da renovação dos valores éticos e morais, que se pretende empreender. Entenda-se que todo o trabalho de preservação da dignidade empresarial, da legitimidade e licitude das relações empresariais, e da atividade de cada componente individual da empresa, seja que importância tenha, baseada no caráter, na licitude e na transparência, tem por principio, meio e fim, a verdade. Em outras palavras, em uma situação ‘normal’ de administração, um executivo que conseguisse grandes contratos para a sua empresa, mesmo usando de suborno, poderia vir a ser considerado muito eficiente. Hoje, sua conduta seria reprovada; deve ser denunciado e expurgado da empresa. Com efeito, a lei anticorrupção é um elo importantíssimo criado no universo legislativo brasileiro, de grande valor, mas que terá a sua longevidade garantida e preservada na hipótese de o Brasil conseguir, real e efetivamente, “dar a volta por cima”, ;livrando-se da corrupção, hoje existente em caráter endêmico, da falsidade nas posições oficiais de governo, no exagero do emprego da retórica e, assim, da mentira institucionalizada, tudo se fazendo em favor da verdade e do bem comum”, conclui.

Empresários

Sobre o que a Lei Anticorrupção traz a mais que outras normas que já cuidam do combate a empresários corruptores, o advogado explica que a “a lei não se limita a elencar responsabilidades. Seu objetivo é muito mais amplo; é de criar um sistema, que se conforme a uma plêiade de medidas outras, não necessariamente jurídicas. Ela penaliza a própria empresa por atos de corrupção, mesmo que não haja envolvimento de seus dirigentes. A lei trata da corrupção de funcionários públicos, fraude a licitações, a contratos públicos e outras mazelas, além da postura de dificultar a fiscalização dos órgãos públicos. A empresa é objetivamente responsabilizada, civil e administrativamente, pela pratica dos ilícitos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. A multa é a punição por excelência, podendo chegar a 20% do faturamento da empresa no exercício anterior. Outras medidas são o perdimento de bens, direitos e valores, suspensão ou interdição parcial de atividades, proibição de receber incentivos e empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas, pelo prazo de um a cinco anos. Há a possibilidade do ‘acordo de leniência’, pelo qual a empresa reconhece o ato de corrupção e coopera com as autoridades nas investigações e solução do caso e, com isso, obtém redução da multa de até dois terços e, mesmo, isenção de certas penalidades. O objetivo, em tudo inusitado em nosso direito, é o da denúncia espontânea do ato de corrupção e a posição de cooperação com as autoridades para a solução do malfeito”.

Para Mestieri, outro importante instituto é o da delação ou colaboração premiada, “pelo qual a pessoa física, autora ou co-autora de crime contra a administração pública confessa o fato e promete colaborar com as investigações, inclusive nomeando colaboradores e todos os detalhes pertinentes aos fatos sob apuração”.

Compliance

Para o advogado, as empresas abrangidas pela Operação Lava Jato “poderiam ter se beneficiado de programas de compliance bem estruturados, sem dúvida. Nada obstante, os programas de compliance, ainda que se crie um departamento e um staff só para tratar dessas questões, não teria o condão, de per si, de evitar práticas ilícitas de seus dirigentes maiores. Mais uma vez fica aqui sublinhada a questão global. As regras de compliance pressupõem para a sua eficácia, do engajamento em um política de administração altamente moralizada e estruturada nos moldes da licitude e da verdade”.

Sobre como deve atuar o compliance de uma empreiteira que mantém contratos bilionários com a administração pública, João Mestieri afirma que “O compliance de grandes empresas, com contratos bilionários, não difere, em sua essência dos demais programas congêneres”. “Trata-se, sempre, de programas de controle da ética, moralidade e licitude, para além de fazer convergir para os interesses maiores da empresa, todos os esforços individuais. Grandes empresas, com contratos bilionários, lidando com os governos, evidentemente demandam estatutos de compliance que atendam às particularidades e especialidades da atividade empresarial de cada uma, particularizando situações e possibilidades que se conformem com o seu perfil”, diz.