Justiça reconhece que Ruy Berbert foi morto sob tortura

A Justiça reconheceu que o guerrilheiro Ruy Carlos Berbert, foi morto sob tortura, aos 24 anos, na cadeia pública de Natividade, hoje Tocantins, em 1972. Pela decisão, o documento de óbito deixará de apontar suicídio, versão oficial colocada em xeque pelo jornal O Estado de S. Paulo, há dois anos, com a publicação de fotos do corpo e relatórios inéditos. A mudança do registro de cartório levou a mãe do guerrilheiro, Ottília Vieira Berbert, 95 anos, moradora da cidade paulista de Jales, a agradecer ao juiz do caso por apagar a imagem do filho dependurado na cela.

Num desabafo, Ottília disse que nunca acreditou que o filho pudesse se matar. Ela afirmou que, de tanto ouvir relatos de que Ruy Carlos se suicidara, passou a imaginar, em alguns momentos, a cena de seu corpo suspenso, amarrado pelo pescoço num dos troncos de sustentação do telhado da cadeia colonial. “Estou aliviada, pois essa imagem saiu da minha cabeça”, disse, segundo relato do neto e advogado Rodrigo Berbert Pereira, sobrinho do guerrilheiro. Autor da ação que pediu a mudança na certidão de óbito, Rodrigo contou que a certeza da família, de tradição espírita, do assassinato do guerrilheiro nunca foi suficiente para apagar uma imagem incômoda. “Ela já sabia, mas sempre surgia a dúvida”, relata.

Em 2012, quando a série de reportagens sobre Ruy Carlos foi publicada, os Berbert temiam que as revelações abalassem a saúde de dona Ottília. Localizadas numa pasta do Arquivo Nacional, em Brasília, as fotos do corpo do guerrilheiro estendido num estrado na prisão forçaram um novo encontro da família com o passado. Ottília não teve acesso às imagens, mas foi informada da existência de documentos que sugeriam que o filho passou por maus tratos num interrogatório. Para surpresa da família, ela deu aval para que o único neto, Rodrigo, recorresse à Justiça para a retificação do óbito. Um perito que analisou as fotografias a pedido dos Berbert avaliou que as marcas no pescoço não podiam ser de um suicídio unilateral. O guerrilheiro também não teria condições de subir no telhado de cinco metros de altura e de lá se enforcado num lençol. O corpo foi enterrado sem avaliação de um médico legista. Dois farmacêuticos deram o atestado da morte.

A versão oficial destaca que Berbert se matou um dia depois da prisão efetuada pelo delegado local. O jornal revelou, porém, que agentes do Centro de Informações do Exército (CIE,), núcleo de extermínio de guerrilheiros, organizou uma força tarefa que envolveu homens da 3a Brigada de Infantaria, da Polícia Federal, da Aeronáutica e do DOI-CODI, para combater militantes do Movimento de Libertação Popular (Molipo), grupo de Berbert, na região. O relatório da Operação Ilha, como foi batizada a força-tarefa, destaca que a polícia teria feito a prisão do guerrilheiro a 31 de dezembro de 1971, depois de receber informação de agentes do CIE.

Primeira correção

Em 1992, a família já tinha entrado na Justiça para garantir que o guerrilheiro fosse reconhecido como o homem enterrado a 2 de janeiro de 1972, no cemitério de Natividade, com o codinome de João Silvino Lopes. A certidão de óbito de Lopes foi, então, corrigida com o nome de Ruy Carlos Vieira Berbert.

Estudante de Letras da Universidade de São Paulo (USP), Ruy Carlos Vieira Berbert foi um dos integrantes do Molipo que recebeu treinamentos em Cuba e retornou ao Brasil. A partir de informações obtidas possivelmente de agentes secretos norte-americanos e adversários do regime de Fidel Castro, a ditadura militar brasileira fez uma verdadeira caçada aos guerrilheiros no interior do País.

Ao avaliar a ação, o desembargador André Nabarrete escreveu na sentença que é “razoável” entender que o guerrilheiro não cometeu suicídio. Ele observou que o regime militar matou e torturou “inúmeros” militantes oposicionistas, que foram considerados suicidas ou vítimas de acidentes. Nabarrete decidiu que no lugar de “suicídio por enforcamento praticado unilateralmente” a certidão de óbito passe a constar como causa da morte “asfixia mecânica por enforcamento, decorrente de maus tratos e torturas”.

Até o momento, a Justiça já determinou a alteração de documentos de óbito do estudante Alexandre Vannuchi Leme, morto em 1973, do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, e do ex-dirigente do PCdoB João Batista Drummond, em 1976.

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