A Justiça Federal rejeitou denúncia contra o ex-militar Antonio Waneir Pinheiro Lima, o Camarão, acusado de tortura e estupro da presa política Inês Etienne Romeu, única sobrevivente da Casa da Morte, centro de tortura clandestino da ditadura em de Petrópolis, na região serrana do Rio.
A decisão, tornada pública nesta quarta-feira, 8, no Dia Internacional da Mulher, deixou “perplexa” a irmã de Inês Etienne, Celina Romeu. “É o velho machismo de sempre. Eles mataram Inês diversas vezes: seu corpo, sua reputação. Agora é a palavra dela que não vale nada”, afirmou. “Quanto ao juiz, tenho pena por ele ser pessoa tão pequena. Ele não julgou uma ação. Tomou uma posição política.”
Na sentença, o juiz Alcir Luiz Lopes Coelho, da 1.ª Vara Federal de Petrópolis, diz que não há provas contra o acusado, mas relatos de Inês, feitos oito anos depois do crime. Lembra ainda que ela foi condenada à prisão perpétua pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para Coelho, a denúncia “fere o direito da dignidade humana” do acusado, por não levar em conta a anistia nem a prescrição do crime, ocorrido em 1971.
O juiz comparou o grupo de Justiça de Transição do Ministério Público Federal, que investiga crimes cometidos na ditadura militar, a “um simulacro de tribunal de exceção”. Coelho citou o filósofo Olavo de Carvalho na decisão. “Como escreveu Olavo de Carvalho, ninguém é contra os direitos humanos, desde que sejam direitos humanos de verdade, compartilhados por todos os membros da sociedade, e não meros pretextos para dar vantagens a minorias selecionadas que servem aos interesses globalistas.”
Discurso
O procurador Sergio Suiama se disse indignado com a decisão. “Que vantagem ele vê para minorias numa ação sobre estupro? O direito de não ser estuprada? Ele desconsidera e desqualifica a palavra da vítima. Parte da premissa de que o que ela fala não tem valor e faz uma crítica porque ela não fez a denúncia logo depois do crime. Como o preso político vai a uma delegacia, que também era aparelho da repressão, fazer uma denúncia? E o mais grave é que, ao dizer que ela é uma terrorista, ele assume o discurso de que ‘merecia ser estuprada'”, afirmou o procurador.
Presa sob acusação de ter participado do sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, Inês Etienne, militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), foi mantida por 96 dias na chamada Casa da Morte, entre maio de agosto de 1969. Ali, foi torturada e estuprada por duas vezes pelo soldado paraquedista de codinome Camarão, segundo seus relatos à Ordem dos Advogados do Brasil e à Comissão Nacional da Verdade.
Casa da Morte
Libertada porque seus captores acharam que ela havia sido “convertida”, Inês cumpriu 8 anos de prisão e denunciou o centro de tortura. A partir dos seus relatos, foi possível identificar a Casa da Morte em Petrópolis, e militares que participaram das torturas, inclusive o coronel Paulo Malhães. Ele foi morto num assalto em abril de 2014. Inês morreu no ano seguinte, aos 72 anos, de enfarte.
A reportagem não conseguiu localizar Pinheiro Lima nem Olavo de Carvalho, para que comentassem a sentença. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.