Justiça Federal barra revisão da Anistia

A Justiça Federal está barrando as tentativas do Ministério Público Federal (MPF) de punir agentes de Estado acusados de cometer crimes durante o período da ditadura. A tese defendida pelos procuradores federais de que determinados crimes, como o sequestro e a ocultação de cadáver, são considerados permanentes e não foram beneficiados pela Lei da Anistia de 1979 não encontra receptividade entre juízes federais.

Desde que foi criado, há dois anos, o Grupo de Trabalho Justiça de Transição, vinculado à 2.ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, apresentou sete denúncias à Justiça Federal. Três envolvem o sequestro de militantes políticos que se opunham à ditadura; e outras duas, o crime de ocultação de cadáver. Desse total, apenas três ações estão em andamento, patinando ainda na primeira instância; duas foram rejeitadas; uma aguarda a definição de um pedido de habeas corpus; e a sétima ainda não teve o mérito apreciado.

Além da barreira dos juízes, os procuradores também enfrentam dificuldades para obter provas suficientes para sustentar as denúncias. Quando o grupo de trabalho foi criado, imaginava-se que o número de denúncias seria bem maior do que as sete apresentadas até agora.

Em suas manifestações, os juízes têm rejeitado a tese dos procuradores de que os crimes têm caráter permanente e, portanto, não foram anistiados. Eles também não aceitam as referências a cortes internacionais, segundo as quais crimes contra a humanidade não prescrevem e não podem ser anistiados.

Os magistrados indicam sempre que se orientam pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O que mais citam é o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 153, proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

DOIS LADOS

O que se questionava naquele julgamento era o benefício da anistia para agentes de Estado envolvidos em casos de violações de direitos humanos. O STF rejeitou os argumentos da OAB e revalidou a interpretação de que a lei beneficiou tanto as vítimas de perseguições quanto perseguidores.

O grupo do MPF surgiu após a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil na ação que ficou conhecida como Caso Gomes Lund, por violações de direitos humanos no episódio da Guerrilha do Araguaia. De acordo com a sentença, o País deve investigar e denunciar os autores dos crimes de desaparecimento forçado das vítimas.

Não por acaso, a primeira tentativa de criminalização desencadeada pelo MPF ocorreu em Marabá, na região paraense onde ocorreu a guerrilha. Ela envolve o coronel da reserva Sebastião Curió, um dos principais responsáveis pelas ações que resultaram na eliminação do foco de resistência armada à ditadura.

Curió foi denunciado pelo sequestro de cinco guerrilheiros, cujos corpos nunca foram encontrados. Na primeira investida do MPF, a ação foi rejeitada. Na segunda, os procuradores tiveram sucesso: em agosto, a juíza Nair Cristina Corado Pimenta de Castro, da 2.ª Vara Federal de Marabá, acatou a denúncia. Mas, em novembro, uma decisão liminar do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região suspendeu a ação, até que seja julgado o pedido de habeas corpus impetrado pela defesa.

ARGUMENTOS

O voto do relator, desembargador Olindo Menezes, contém os principais argumentos da Justiça Federal para barrar o MPF. Entre outras coisas, o magistrado rebate a ideia de que a justiça brasileira deveria se guiar pela Corte Interamericana. Diz que a sentença “não interfere na decisão do STF sobre a matéria”.

Para o desembargador, o que a corte internacional definiu foram investigações destinadas apenas a “propiciar o conhecimento da verdade histórica”. Isso não significa, diz ele, “abertura de persecução penal em relação a (supostos) fatos incluídos na anistia da Lei n.º 6.683, de 19 de dezembro de 1979”.

Ainda segundo Menezes, a tese do crime permanente é “engenhosa”, mas não se sustenta, devido a dois fatores: “Falta de justa causa para a ação penal, por um (anistia) ou por outro (prescrição) fundamento”.

A denúncia mais recente do MPF foi apresentada em dezembro à subseção da Justiça Federal em Rio Verde. Trata-se do caso dos jovens Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck Machado, integrantes do Movimento de Libertação Popular, cujos corpos desapareceram há 40 anos, após terem sido mortos pela polícia. A tese do MPF é de que não se pode alegar prescrição no caso, uma vez que o delito de ocultação de cadáver, previsto no artigo 211 do Código Penal, é permanente.

Para o procurador da República que apresentou a denúncia, Wilson Rocha Assis, a responsabilização penal dos agentes que praticaram o crime é “exigida por tratados internacionais subscritos pelo Brasil”.

No Rio, o MPF apresentou argumentos semelhantes ao denunciar cinco agentes de Estado, militares e civis, pelo sequestro, tortura e desaparecimento do líder comunista Mário Alves de Souza Vieira.

Os procuradores já previam, por manifestações anteriores às denúncias, a resistência dos juízes. Eles devem, porém, continuar insistindo. O objetivo é levar a questão de volta ao STF, para debatê-la à luz da decisão da Corte Interamericana. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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