Servidores da Justiça Eleitoral, escoltados por policiais militares, cumpriram mandados de busca e apreensão em casas de estudantes para apreender suposto material de propaganda partidária e obter informações sobre a organização de um evento universitário no Estado do Rio de Janeiro. Relatos sobre essas operações foram recebidos nos últimos dias pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que confirmou pelo menos dois casos, um em Barra Mansa, no sul Fluminense, e outro em Petrópolis, na Região Serrana. As denúncias vêm à tona dois dias depois de relatos por todo o País de investidas de oficiais de Justiça e policiais contra manifestações e faixas pró-democracia e contra o fascismo em universidades terem provocado reações de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Os mandados de busca e apreensão foram expedidos pela Justiça Eleitoral do Rio a pedido do Ministério Público Eleitoral. Determinavam “uso da força policial, se necessário”. As ordens judiciais tinham como base o fato dos estudantes terem supostamente participado da organização do Encontro Regional de Estudantes de Direito (RJ), realizado anualmente em vários Estados, assim como ocorre em especialidades de ensino superior. O objetivo da ação era obter documentos relacionados ao evento, inclusive a lista de presença.
Segundo o defensor geral do Estado do Rio de Janeiro, André Castro, os oficiais entraram na casa de um dos estudantes e o obrigaram a ligar o computador e entrar em sua conta do Facebook. Forçaram-no então a revelar os nomes de colegas que apareciam em uma fotografia postada na rede social. “A finalidade parece ser recolher outros nomes para que possam ir atrás dos demais participantes também. Os relatos são chocantes”, contou Castro.
Em outro caso, antes de ir à residência do estudante, os oficiais de Justiça estiveram no local de trabalho dele, onde apreenderam um laptop, contou o defensor público. As decisões da Justiça determinando as buscas e apreensões foram publicadas em setembro, mas os mandados estão sendo executados ao longo de outubro. Segundo Castro, os episódios sugerem tratar-se de uma ação coordenada, que inclui as incursões a faculdades e repressão a estudantes e professores nas instituições de ensino.
“Começamos a receber relatos, mas talvez o número aumente nos próximos dias. Não são casos isolados, são coordenados”, acusou Castro.
De acordo com as denúncias recebidas pela Defensoria, materiais que façam referência a “democracia” ou a “fascismo” têm sido retirados, sob o argumento de se tratar de propaganda pró ou contra candidatos às eleições de 28 de outubro de 2018. Servidores da Justiça teriam exigido a retirada de adesivos colados ao corpo de estudantes, inspecionado centros acadêmicos e determinado a professores o que podem dizer nas aulas que ministram.
“É uma grave violação às liberdades individuais”, classificou André Castro. “O Estado brasileiro não é neutro em relação ao fascismo, o Estado brasileiro é contra o fascismo. A legislação determina que é proibida a apologia ao fascismo”, lembrou o defensor público.
Em nota emitida neste sábado, 27, a Defensoria Pública se manifestou “vigorosamente contrária às arbitrariedades, que além de violarem direitos fundamentais, restringem a autonomia universitária e as liberdades constitucionais de aprender e ensinar em um ambiente necessariamente regido pelo pluralismo de ideias. A Constituição Federal brasileira é comprometida com a defesa da democracia e determina que a ‘lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais’, o que inclui as práticas fascistas e nazistas (Lei Federal 7.716/89)”, diz o texto.
A defensoria convida para reunião e atendimento jurídico as pessoas que estão sofrendo violações à liberdade de expressão e organização para comparecerem na manhã da próxima segunda-feira, 29, à sede do órgão, na Av. Marechal Câmara, região central da capital fluminense.
“Não se pode admitir que no período de eleições, momento importantíssimo do regime democrático, práticas manifestamente antidemocráticas ocorram e se propaguem. As arbitrariedades eventualmente perpetradas constituem uma grave ofensa aos direitos e liberdades dos estudantes, dos professores, da sociedade e do Estado democrático, tornando imperioso fazer cessá-las, com a respectiva apuração das responsabilidades pelos excessos, sob pena de que o próximo material apreendido seja a própria Constituição”, declarou em nota.
Procurado pelo reportagem, o Tribunal Regional Eleitoral do Estado Rio de Janeiro não emitiu posicionamento até a publicação da reportagem. Ainda não foi possível obter uma manifestação do MP Eleitoral a respeito dos casos.
Mais cedo neste sábado, 27, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu liminarmente os atos judiciais e administrativos que determinaram os ingressos de agentes em universidades públicas e privadas pelo País. A ministra atendeu uma ação da Procuradoria-Geral da República (PGR) para garantir a liberdade de expressão e de reunião de estudantes e de professores no nas instituições de ensino.
A decisão suspende medidas que determinaram o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas, debates ou manifestações de professores e alunos universitários, a atividade disciplinar e a coleta irregular de depoimentos dos envolvidos.