Juristas e constitucionalistas avaliam que o fatiamento do impeachment da presidente Dilma Rousseff poderá ser usado pelo deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) e outros políticos. Eduardo Cunha, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato perante o Supremo Tribunal Federal, será julgado no dia 12 de setembro por seus pares.

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O professor do Instituto de Direito Público de São Paulo Luiz Fernando Prudente do Amaral afirma que quanto à questão da inabilitação, houve a manutenção, em tese, de todas as possibilidades relativas a cargo público. “A questão da elegibilidade vai ser discutida no Judiciário, inclusive se eventualmente esse julgamento colegiado do Senado se equipara para efeitos da Lei Ficha Limpa com aquele julgamento colegiado da Lei da Inegibilidade.”

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Sobre as futuras candidaturas, Prudente do Amaral avalia que depende de como esses tribunais e até a Justiça Eleitoral vão decidir. “No que tange à aplicação da mesma lógica para o Eduardo Cunha, parece que não é um efeito automático do que foi compreendido pelo Senado, mas é algo que certamente será alegado. É lógico que serve como precedente, porém não é certo se será considerado”, diz.

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O especialista alerta ainda que é importante colocar que a questão de desmembrar os quesitos de afastamento e inabilitação ‘é algo bastante questionável, sobretudo para se saber se a lei do impeachment foi recepcionada pela Constituição nessa parte’.

“Isso porque o parágrafo único do artigo 52 dá a entender na leitura, de modo bastante claro, que um seria consequência do outro e houve o desmembramento. Como não houve posicionamento do Supremo Tribunal Federal na matéria em termos de avaliação de constitucionalidade, então fica-se sem essa certeza”, observa Prudente do Amaral.

Fábio Martins Di Jorge, especialista em Direito Administrativo da Peixoto & Cury Advogados, diz que a Lei de Inelegibilidade, alterada pela Ficha Limpa, não atinge o presidente da República findo o processo de impeachment.

“Somente se aplicaria a inelegibilidade de oito anos no caso de renúncia do cargo pelo presidente da República após o oferecimento da representação capaz de instaurar o processo de perda do cargo”, pondera Di Jorge. “Aplica-se somente a governador e a prefeito além dos respectivos vices. Mas não há lacuna, sendo que a omissão é proposital, uma vez que o parágrafo único do artigo 52 da Constituição regula a matéria e não permite, ao meu sentir, a divisão da votação por quesitos como se deu hoje no Plenário do Senado, sendo conatural à condenação da perda do cargo a inabilitação por oito anos para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”, afirma.

Di Jorge assinala, ainda. “Outra não é a disposição do artigo 2º da lei de impeachment: crava-se a inabilitação com a perda do cargo. A Constituição elevou a inabilitação de 5 anos para 8 anos. Aliás, realmente, não mais se coaduna com nosso sistema alguém ser arredado do cargo eletivo por crime de responsabilidade sem inabilitação, Constituição artigo 37, §4º da Constituição Federal.”

Ele cita o Mandado de Segurança 21.689-DF, impetrado pelo presidente cassado Fernando Collor (PTB/AL). O Supremo decidiu pela inabilitação por 8 anos atrelada à perda do cargo. “O Supremo provavelmente será chamado a tratar do tema novamente e espero que de forma urgente, eis que temo possa a decisão de hoje influenciar nos processos de cassação de mandatos no Poder Legislativo, sendo ainda mais grave para o país o que se tem noticiado sobre um possível ‘acórdão’ na sessão de hoje”, avalia Di Jorge.

A advogada Sylvia Urquiza, sócia da Urquiza, Pimentel e Fonti Advogados, declarou nesta quarta-feira, 31, que ‘aquele que renuncia para não enfrentar o processo de impedimento não pode ser reeleito por 8 anos, o que sofre impedimento também tem a mesma pena’.

“Por lógica, aplica-se ao menos, aplica-se ao mais”, diz Sylvia.

“A discussão envolve as definições de inelegibilidade e inabilitação”, ela argumenta. “A conclusão sobre cada vernáculo, dentro do direito, é longa e emana da análise de varias leis. De uma maneira mais simples, é de se dizer que o primeiro apenas alcança a possibilidade de se eleger a cargo público, sendo que a segunda abrange também a função pública. Ou seja, quem é inabilitado não pode exercer nenhuma função pública, ainda que o cargo decorra de concurso público ou indicação.”

Sylvia Urquiza é taxativa. “A decisão não poderia ser apartada. Julgada impedida, é efeito da decisão a inabilitação. Dessa forma, não poderá a presidente exercer nenhuma função pública nos próximos 8 anos.”

De acordo com o constitucionalista Adib Abdouni, titular do Adib Abdouni Advogados, é equivocada a hipótese de segmentação das votações de perda do mandato e de supressão dos direitos políticos, uma vez que colide com o artigo 52, parágrafo único da Constituição. “O texto constitucional é expresso ao registrar que, havendo a condenação por crime de responsabilidade, irradiam-se duas sanções concomitantes, quais sejam, a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de função pública”, anota Abdouni.

“Em que pese o ministro Lewandowski, ao atender o pedido da defesa e dos senadores aliados à presidente afastada, com fundamento no Regimento Interno daquela Casa, (destaque de determinado ponto da acusação) -, não se vê como superar o desacerto, tendo em vista a inequívoca supremacia da Carta Magna em relação à redação regimental. Uma vez reconhecido o crime de responsabilidade com a consequente perda do mandato, a inabilitação para o exercício de função pública revela-se como uma consequência indissociável, não se justificando, o aventado fatiamento, haja vista que a produção de resultados díspares para essas duas sanções, resvala em quebra normativa da Constituição Federal, ante o quadro antagônico formado”, conclui Abdouni.

Para o advogado Eduardo Nobre, sócio fundador do Instituto de Direito Político e Eleitoral (IDPE) e sócio responsável pela área eleitoral do Leite, Tosto e Barros Advogados, a Constituição é suficientemente clara ao dispor que a inabilitação é consequência jurídica imediata à perda do cargo, ou seja, em se entendendo pelo cometimento do crime de responsabilidade ela perde o cargo e fica automaticamente inabilitada.

“A decisão é política”, crava o criminalista Daniel Bialski, sócio do Bialski Advogados. “E a maioria dos votos proferidos de forma diferente para as questões é consequência de que muitos que estão em situação similar, sendo investigados e respondendo processo, portanto, não queriam abrir um precedente que no futuro seria usado contra eles e os prejudicaria. Obviamente, haverá investigação e um processo judicial sobre os fatos e no Supremo Tribunal Federal, acaso condenada, como consequência, perderia os direitos políticos obrigatoriamente”, completa o advogado.