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‘Jornalistas são alvo pois informação é uma fonte de poder’

O jornalista Peter Catapano se dedica há quase uma década a expor as ideias de filósofos e pesquisadores aos milhões de leitores do jornal The New York Times. Um dos editores de Opinião do veículo, ele foi o criador da série The Stone, em 2010, que publica artigos de pensadores sobre temas “atuais e atemporais”. Uma das ramificações desse trabalho são os debates públicos intitulados The Big Ideas, promovidos pelo New York Times, inspiração para o Summit Brasil – O Que é Poder?, evento que o Estado promove na quarta-feira, dia 30. As inscrições podem ser feitas no site estadaosummitthebigideas.com.br. “A razão para se criar espaços de pensamento e questionamento, como The Stone e Big Ideas, é permitir que a atividade intelectual floresça no discurso público, para que os leitores sejam expostos a abordagens e ideias de todos os tipos”, disse Catapano ao ‘Estado’. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Quando o sr. pensa em “poder”, o que vem primeiro à sua mente?

O significado mais literal e comum: força física, força bruta, ou ameaça de força, e a habilidade de um indivíduo ou pequeno grupo de alterar significativamente o comportamento ou existência de grupos muito maiores, como o poder que empresas e entidades governamentais têm sobre o público em geral. Mas, quando penso no poder com mais atenção ou filosoficamente, vejo-o como uma rede de relações entre humanos infinitamente complexa e continuamente em fluxo, e inclui aspectos como capacidade pessoal, dignidade, liberdade, felicidade, compaixão e necessidades biológicas.

O anti-intelectualismo é hoje uma plataforma política para muitos governantes eleitos. Por que há ressentimento contra as pessoas que cultivam a razão, o conhecimento e a ciência?

Acredito que isso seja verdade em alguns países, mas não em outros. E não acredito que seja específico dos nossos tempos. Nós tendemos a ouvir muito sobre o anti-intelectualismo na política porque ele suscita certos receios históricos. Mas o anti-intelectualismo – uma desconfiança em relação àqueles que dedicam tempo a pensar, a ser críticos e a questionar autoridades – não é um problema novo, remonta aos tempos antigos. Lembre-se da morte de Sócrates. E não é primordialmente um fenômeno político, é um fenômeno cultural que pode ser, e muitas vezes é, explorado para fins políticos.

Nesse contexto, como o sr. vê as crescentes ameaças contra o jornalismo, mesmo em países democráticos?

É claro que elas são preocupantes. Nosso próprio publisher (A.G. Sulzberger, do New York Times) escreveu sobre essa tendência, chamando-a de ‘um ataque mundial aos jornalistas e ao jornalismo’ e ‘um ataque ao direito do público de saber, aos valores democráticos fundamentais, ao próprio conceito de verdade’. Os jornalistas são alvos por razões óbvias. Eles distribuem informação, e a informação é uma fonte de poder. Silenciar e eliminar as fontes de informação que expõem corrupção ou que contradizem as versões ou narrativas oficiais é uma forma de proteger quem está no poder.

Como foram selecionados os autores da série Power, que discutiu o poder em The Big Ideas?

Colaborei com alguns colegas do New York Times para reunir uma lista de pensadores que achávamos que os leitores estariam interessados em escutar, e que abordariam a questão ‘O que é poder?’ de ângulos diferentes e surpreendentes. Não queríamos incluir apenas filósofos, mas pensadores e escritores de todos os tipos. Tento ver isso como uma mesa redonda, na qual imagino que cada colaborador está presente, todos na mesma sala. Não uma palestra, onde figuras de autoridade ensinam o público de uma maneira acadêmica, mas sim uma conversa. Queríamos criar uma mesa da qual fosse agradável participar.

Qual é a razão para a ausência de políticos entre os autores?

A abordagem desse trabalho não foi principalmente política,mas sim concebida para ajudar os leitores a compreender melhor o efeito do poder em geral, e como ele se manifesta nas vidas individuais. Nosso grupo incluía filósofos, romancistas, feministas, teólogos, humoristas, jornalistas e um ex-general importante. Mas não evitamos propositadamente convidar políticos. Convidamos alguns, que recusaram escrever. Mas é verdade que adotamos uma abordagem mais abrangente.

Com a perda de protagonismo das empresas de mídia, que já não controlam o fluxo informativo, temos mais vozes no debate público, mas também uma enxurrada de desinformação. É possível para a imprensa reverter a crise de credibilidade e recuperar o status de autoridade?

Não há retorno ao passado. E ‘recuperar o status de autoridade’ não parece um passo na direção da liberdade para muitos que querem mudanças. Empresas de mídia responsáveis fazem seu trabalho produzindo conteúdo responsável. Mas talvez a ideia de controle das informações seja uma simplificação da questão. Um jornalista cidadão responsável que consegue publicar porque não há esse controle dá uma contribuição valiosa à sociedade. Uma empresa de mídia sem integridade e que age como controladora é prejudicial. Portanto, pode não ser uma questão de discutir se as grandes empresas controlam o fluxo informativo, e mais uma questão de estabelecer uma cultura mais ampla de integridade que respeite o poder da informação e seja dedicada à verdade e ao serviço público.

A série The Stone é publicada desde 2010. Nesse tempo, o que mudou na percepção pública do que é importante? Além da desinformação, quais são as novas questões prementes?

Nós descrevemos The Stone como algo que trata de questões “tanto atuais como atemporais”. A desinformação, a tecnologia e a inteligência artificial surgem muito porque são atuais – mas também remetem a pensadores históricos e ramos da filosofia, como a epistemologia e outros, que lidam com a percepção e a verdade, que sempre foram importantes. A questão da mudança climática e da responsabilidade dos seres humanos em relação ao meio ambiente é um tema frequente por razões óbvias. Em tempos de agitação política e incerteza, como os que temos agora, a filosofia política aparece muito. Isso significa que temas mais esotéricos, como a consciência, aparecem com menos frequência. Mas questões eternas como felicidade, moralidade, significado na vida e na morte se manifestam ao longo da década, e isso deve continuar.

Um jovem estudante nos EUA tem uma boa compreensão do que é filosofia e por que é importante? Ela é devidamente valorizada nos currículos?

Não, isso é muito raro, e acho que isso é lamentável, e que os nossos alunos sofrem por isso. A filosofia é raramente ensinada nas escolas secundárias dos EUA, e eu acho que deveria ser. Os alunos do ensino médio, em sua maioria, são naturalmente aptos para a filosofia. Se você já discutiu com um adolescente, você sabe disso. Eles estão começando a se tornar adultos, a questionar o significado da existência, a questionar a autoridade e a desenvolver maneiras de raciocinar, resistir e estar no mundo. As habilidades de raciocinar, pensar, argumentar e se expressar são de vital importância para quase tudo o que farão no futuro. De vez em quando dou aulas, e os melhores, mais engajados e desafiadores estudantes de filosofia que encontrei eram estudantes do ensino médio. Acho que eles deveriam começar a aprender sobre filosofia ainda mais cedo, na escola primária.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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