O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que sejam tomados os depoimentos do presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), do ex-ministro José Dirceu, do senador cassado e delator Delcídio Amaral (sem partido-MS) e do ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira sobre a existência de um suposto esquema de corrupção em Furnas. Caso Gilmar, relator do inquérito no STF, autorize a convocação, será a primeira vez que Aécio vai depor sobre o caso da estatal federal de energia.
“Os elementos informativos já reunidos nos autos apontam para a verossimilhança dos fatos trazidos pelos colaboradores (uma suposta partilha de propina entre políticos) e denotam a necessidade de aprofundamento das investigações, notadamente quanto ao envolvimento de Dimas Fabiano Toledo (ex-diretor de Engenharia da estatal) no evento criminoso e a sua relação com o senador Aécio Neves”, escreveu Janot no pedido protocolado no STF na quinta-feira passada, dia 23.
O procurador-geral requereu também a prorrogação do inquérito por mais 60 dias – a investigação foi instaurada em maio do ano passado e já fora prorrogada por 60 dias em novembro passado.
As primeiras denúncias sobre corrupção em Furnas surgiram na CPI Mista dos Correios, em 2005, por meio do ex-deputado e delator do Mensalão Roberto Jefferson. Janot pretende esclarecer a versão apresentada pelo delator e lobista Fernando Horneaux de Moura, que disse ter sido informado por Dirceu, em 2003, do pedido de Aécio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que Toledo fosse mantido no cargo de diretor.
Moura teria participado das discussões com o ex-ministro da Casa Civil e Pereira, ex-secretário-geral do PT, sobre o loteamento de cargos, incluindo as diretorias de estatais, como a Petrobras. Segundo Moura, Toledo foi comunicado da permanência no cargo, em 2003. Toledo então teria definido a partilha da propina: um terço para o PT nacional, um terço para o PT paulista e um terço para Aécio. O ex-diretor e Aécio rechaçam a versão. Em acareação, Moura manteve seu depoimento, e Toledo o acusa de “mentiroso”.
Em dezembro passado, o tucano depôs à PF em outro inquérito, no qual é investigado por supostamente atuar para “maquiar” dados da CPI que poderiam implicar tucanos. De todos os envolvidos no episódio, Dirceu, Pereira e Moura já foram denunciados na Lava Jato.
O inquérito contra Aécio foi aberto com base na delação de Delcídio. O senador cassado afirmou que “sem dúvida” o tucano teria recebido propina. O doleiro Alberto Youssef mencionou em sua delação premiada que Aécio dividia a diretoria de Furnas com o PP e teria recebido propina de cerca de R$ 4 milhões. Seu depoimento foi tomado em 2015, mas na época Janot considerou a versão baseada apenas no que ele teria ouvido dizer e arquivou a investigação contra o tucano. Posteriormente, o caso foi reaberto.
Nesse último requerimento, Janot escreveu que o inquérito apura influência do PSDB “na direção da empresa Furnas, juntamente com o Partido Progressista, no âmbito da qual recai a suspeita de pagamento de vantagens indevidas por empresas contratadas, a revelar possível participação de Aécio Neves em esquema de corrupção”.
Contradições
Moura, que cita o nome de Aécio, já chegou a ter seus benefícios cortados após mudar de versão sobre sua saída do País em 2005, no auge do mensalão. Na delação, para atenuar sua punição, ele afirmou em agosto de 2015 que “resolveu se mudar para Paris após receber a ‘dica’ de José Dirceu para ‘cair fora'”.
Em audiência com o juiz Sérgio Moro, da Lava Jato, no processo em que também é réu, ele apresentou uma versão diferente: “Depois que eu assinei que eu fui ler. Eu disse que foi o Zé Dirceu que me orientou a isso. Não foi esse o caso. Eu saí porque saiu uma reportagem minha na Veja, em março de 2005”.
Moura admitiu depois aos procuradores que mentiu na segunda versão e segue colaborando com as investigações. Os outros depoimentos de sua colaboração não tiveram alterações e são usados pelos investigadores.
Denúncia
Funcionário de carreira em Furnas, Toledo atuou como diretor de Engenharia entre 1995 e 2005 e já chegou a ser investigado em primeira instância a partir de 2005, quando a Polícia Federal no Rio instaurou um inquérito para apurar as denúncias de caixa 2 feitas por Jefferson.
O lobista Nilton Monteiro, um dos acusados de atuar no esquema, chegou a apresentar uma lista com nome de 156 políticos – mas a PF não constatou sua veracidade.
Em 2012, o Ministério Público Federal (MPF) no Rio apresentou denúncia contra 11 acusados de corrupção em dois contratos de termelétricas – em Campos dos Goytacazes e São Gonçalo -, incluindo Jefferson e Toledo. Em março daquele ano, porém, a Justiça Federal entendeu que o caso deveria ser remetido para a Justiça Estadual. Quatro anos depois, o caso foi arquivado em primeira instância, mas, em dezembro passado, o Ministério Público Estadual do Rio encaminhou a “lista de Furnas” para Janot.
O documento não é citado no pedido de prorrogação do inquérito contra Aécio, mas o procurador-geral pediu ao STF que sejam juntadas cópias da quebra de sigilo de Toledo, que tramitou em primeira instância na Justiça do Rio, além das investigações que foram realizadas pela Controladoria-Geral da União e pelo Tribunal de Contas da União sobre Furnas na época.
Defesa
Aécio Neves afirmou, por meio de assessoria de imprensa, que pedidos de prorrogação de prazo em procedimentos investigatórios são rotina. “A oitiva do senador, como é praxe, está prevista desde o início do procedimento”, diz nota enviada por sua equipe.
O texto acrescenta que as novas diligências não guardam relação com o senador, “uma vez que se referem apenas à solicitação de cópias de documentos da empresa e oitivas de membros do PT”. A assessoria disse ainda que o senador “é o maior interessado na realização das investigações porque seu aprofundamento provará a absoluta correção de seus atos”.
Por sua vez, o advogado de Dimas Fabiano Toledo, Rogério Marcolini, divulgou nota afirmando que o ex-diretor de Furnas já foi inquirido pela Polícia Federal “pelo menos meia dezena de vezes” nos últimos dez anos e que “sempre foi absolutamente coerente ao narrar os fatos como aconteceram”.
“O senhor Fernando Moura, nas poucas vezes em que foi ouvido, já emendou sua versão diversas vezes, o que levou o próprio juiz federal condutor da Lava Jato a pôr em dúvida a sinceridade de sua delação”, disse Marcolini. Segundo ele, a “acareação realizada de surpresa foi a oportunidade para Toledo mais uma vez reiterar a veracidade do seu testemunho”.
O criminalista Luis Alexandre Rassi, que defende Silvio Pereira, diz que ainda não conversou com seu cliente sobre o caso, mas que a defesa vê com ressalva versões de Moura, “por causa de impropriedades no depoimento prestado por ele na ação penal em que Silvio responde na Lava Jato em Curitiba”. Os advogados de José Dirceu e Delcídio Amaral não foram localizados para comentar o caso. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.