Os índios vão reabrir dia 1º de fevereiro os pedágios na Transamazônica, em Humaitá, sul do Amazonas. A cobrança será feita apesar da ameaça de um novo ataque dos brancos que, no dia 26 de dezembro, atearam fogo aos postos instalados na área indígena. A decisão foi anunciada na presença de dois generais do Exército, entre eles o comandante militar da Amazônia, Eduardo Villas Bôas, em reunião com lideranças indígenas na aldeia dos tenharins, nesta segunda-feira, 6. O general havia pedido o fim do pedágio em nome da paz na região. Os conflitos começaram após o desaparecimento de três homens em área da reserva há 21 dias.
Além de terem se negado a atender o apelo, os caciques prometeram estourar as pontes e isolar a reserva caso haja novo ataque dos brancos. Eles foram informados de que estaria sendo preparada uma nova ação para o próximo dia 14. “O povo tenharim já decretou que o pedágio vai continuar, independente dos protestos de algumas pessoas. Demos um intervalo para não atrapalhar a força-tarefa (que busca os desaparecidos)”, anunciou o cacique Aurélio Tenharim, depois de expor que o pedágio é uma compensação pela construção da Transamazônica na terra indígena, que teria causado mortes de índios. “Esperamos quatro anos para negociar e nenhum governo apareceu”, afirmou.
Villas Bôas, que estava na companhia do general Ubiratan Poty, comandante da 17ª Brigada de Porto Velho, do corregedor do Ministério Público Estadual José Roque Marques, e dos comandos da Força Nacional de Segurança e Polícia Rodoviária Federal, argumentou que a cobrança era ilegal e acirrava os ânimos, mas os índios não se convenceram. Disseram que ilegal era a atividade dos ‘flanelinhas’ nas cidades e que o pedágio é a principal fonte de renda das aldeias. “Não podemos caçar, plantar, nem cortar pau para fazer artesanato, pois o Ibama não deixa”, afirmou Zelito Tenharim. Ele questionou a ausência de representantes do governo no encontro. “O general está aqui, mas cadê o Executivo? A construção de uma usina vai inundar parte da reserva, mas o projeto não foi discutido com os povos. Nós vamos cobrar por isso.”
Os caciques das etnias tenharim e jiajoy prometeram colaborar com as investigações sobre o desaparecimento de três homens, no dia 16 de dezembro, no trecho da Transamazônica que corta a reserva. O episódio causou uma onda de revolta em Humaitá, no Natal, em que uma multidão destruiu a sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) e outras bases indígenas na cidade. As famílias acusam os índios, que permanecem isolados na reserva, mas eles negam. Em documento entregue aos militares, os oito líderes pediram segurança do Exército nos limites da reserva e aos índios que estudam e trabalham na cidade. Pediram ainda um plano emergencial para atendimento na saúde, suprimento de alimentos e uma reunião com o governo em Brasília.
Investigações
Nesta terça-feira, 7, o general reuniu-se com o prefeito de Humaitá, José Cidenei Lobo (PMDB), e outras lideranças locais para discutir a crise. Do bispo dom Francisco Merkel ouviu um alerta: “Outros corpos podem surgir e a questão não pode ser resolvida ao nível local. Brasília tem de acordar.” O encontro com as famílias dos desaparecidos teve choro e protestos. “Temos certeza de que nossos maridos foram mortos e queremos acabar com essa angústia. Tenho vergonha de ser brasileira porque, em outro país, um crime desses é cadeira elétrica”, desabafou Erisneia Azevedo, esposa de Stef Pinheiro, um dos desaparecidos.
O general disse que as investigações da Polícia Federal estão no final e a conclusão deve ser anunciada nos próximos dias. Segundo ele, as provas devem esclarecer o desaparecimento e, se houve crime, os culpados serão punidos. Alertado pelo advogado das famílias, Carlos Terrinha, de que a cobrança do pedágio será uma “tragédia anunciada com derramamento de sangue”, ele disse que a Força Nacional, a Polícia Rodoviária Federal e a Funai vão tentar demover os índios da cobrança. As forças permanecem na região até o fim do conflito.