Indignados com a escolha do presidente Jair Bolsonaro para o comando da Procuradoria-Geral da República, os procuradores Ramiro Rockenbach da Silva Matos Teixeira de Almeida e Flávio Pereira da Costa Matias renunciaram à chefia do Ministério Público Federal em Sergipe. Esta é a primeira reação interna na instituição à nomeação de Augusto Aras para a PGR, que não seguiu a lista tríplice da categoria para o cargo.
A carta foi enviada à procuradora-geral Raquel Dodge.
Eles ressaltam a Raquel que “o Presidente da República, indicou, na data de ontem, para Procurador-geral da República nome fora da lista tríplice, a qual, num processo aberto, democrático e transparente põe em evidência posturas, planos e projetos daqueles que almejam se tornar PGR”. “A lista tríplice é uma construção e um legado pelo bem da nação brasileira. Mais grave que ignorar a lista tríplice, restou indicado um nome sob a justificativa de ‘alinhamento'”.
“Com a devida vênia, PGR não existe para se alinhar com governo algum, mas para exercer o controle dele, com base na Constituição, nas Leis e em defesa do povo brasileiro”, afirmam.
Os procuradores afirmam que “um PGR indicado assim, independente de quem seja, com todo o respeito, não tem legitimidade para comandar o MPF e, como penso, não deve ter colaboração para isso, mas sim, resistência altiva e republicana”.
“Assim sendo, por dever à minha consciência, ao povo brasileiro e à Constituição que jurei servir, não posso contribuir, em absolutamente nada, com um PGR escolhido dessa forma e com propósitos desconhecidos. Requeiro, então, a desistência formal de minha indicação, e de meu substituto, para a Chefia do MPF em Sergipe”, escrevem.
“Ao fim e ao cabo, registro que continuarei atuando em defesa dos mais caros valores republicanos, mais jamais em minha vida colaborei com nada que seja forjado à sombra, nas catacumbas do poder e de costas para a nação que amo e sirvo”, concluem.
Lista tríplice
Ao indicar Augusto Aras, Bolsonaro quebra uma tradição de 16 anos segundo a qual o procurador-geral é escolhido a partir de lista tríplice da Associação Nacional do Procuradores da República (ANPR), formulada em votação entre procuradores. A previsão de escolher um nome na lista, porém, não consta na Constituição Federal.
Nos últimos meses, Aras se reuniu com Bolsonaro seis vezes, fora da agenda do presidente. O nome de Aras também foi defendido por um amigo e aliado de longa data do presidente, o ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF), que acompanhou as conversas que ocorreram entre os dois nas últimas semanas.
Reação
A ANPR, maior entidade da categoria, que entregou a lista tríplice a Bolsonaro, também criticou a decisão. Segundo eles, a “ação interrompe um costume constitucional de quase duas décadas, seguido pelos outros 29 Ministérios Públicos do país”. “A escolha significa, para o Ministério Público Federal (MPF), um retrocesso institucional e democrático”.
Segundo a ANPR, o “próprio presidente representou o cargo de PGR como uma ‘dama’ no tabuleiro de xadrez, sendo o presidente, o rei”. “Em outras ocasiões, expressou que o chefe do MPF tinha de ser alguém alinhado a ele. As falas revelam uma compreensão absolutamente equivocada sobre a natureza das instituições em um Estado Democrático de Direito. O MPF é independente, não se trata de ministério ou órgão atrelado ao Poder Executivo. Desempenha papel essencial para o funcionamento republicano do sistema de freios e contrapesos previsto na Constituição Federal”.