Os recentes desentendimentos entre os aliados do atual governador, Orlando Pessuti (PMDB), e do governador eleito, Beto Richa (PSDB), não são novidade na troca de partidos no comando do Estado. O que se vê agora nas divergências entre os deputados na Assembleia Legislativa, principalmente na discussão sobre a criação da Defensoria Pública, é uma reprodução do cabo de guerra na última transição do governo Jaime Lerner (no antigo PFL), em 2002, para o governador Roberto Requião (PMDB). A reclamação sobre compromissos herdados e engessamento da estrutura são temas que se repetem nas transições estaduais.
Os legados indesejáveis são comuns quando mudam os donos do poder. É o que diz ex-líder do governo Requião, deputado Luiz Claudio Romanelli (PMDB), ao comparar o processo de transição do governo em 2002. Para o deputado, nos três últimos meses de mandato, todo governante deveria se preocupar em deixar a casa em ordem para o sucessor e não ao contrário, como ocorre. “A população já fez uma escolha. Não adianta mudar ou atropelar decisões do próximo governo”, afirmou Romanelli, lembrando que, em 2003, no segundo mandato, o PMDB também recebeu o governo com uma série de novas despesas aprovadas pelo anterior.
Já o relator do projeto de orçamento para 2011, Nereu Moura (PMDB), defende Pessuti. Para Moura, o atual governador age dentro da lei. Ele observou que muitos dos deputados aliados do governador eleito que agora criticam a atuação de Pessuti, apoiaram as últimas medidas de Jaime Lerner em fim de mandato. Moura citou a prorrogação do contrato entre o governo e o Banco Itaú para operar as contas do Estado e dos servidores. Ela foi feita no apagar das luzes do mandato de Lerner. “Dois dias antes de acabar o governo, ele assinou a prorrogação. Nós só fomos descobrir depois. Naquela época esse pessoal achou tudo normal. Na hora de julgar, são dois pesos e duas medidas”, disse.
Último líder do governo Lerner, o deputado Durval Amaral (DEM) contestou Moura. Disse que todas as decisões de Lerner foram anunciadas antes do período eleitoral, quando não se sabia quem seria o próximo governador. “Os projetos aprovados naquela época foram votados antes do período eleitoral, inclusive a legislação eleitoral proíbe aumento de despesas em período pré e pós as campanhas eleitorais”, disse. Segundo Amaral, Lerner não fez licitações de projetos estruturais como Pessuti. “Não discutimos se são importantes ou não esses projetos. Mas isso não é republicano. É preciso respeito ao dinheiro público e à sociedade”.
No entanto, de 2002 para 2003, a construção de estações de tratamento de água e esgoto da Sanepar em vários municípios foi questionada pelo deputado Nereu Moura, que alegou que Lerner tentava desmontar o projeto de saneamento básico do próximo governo, que tinha suas prioridades. Faltando um mês para o fim do seu mandato, Lerner cancelou as licitações. Outro impasse dizia respeito à realização de concursos públicos e à suspensão de licitações. Naquele período, o novo governo conseguiu impor sua vontade. A realização de concurso para professores, previsto para a semana seguinte ao segundo turno, não aconteceu. Requião queria deixar o concurso para depois da sua posse, Lerner dizia não ver motivos para cancelar o concurso, mas poucos dias após a manifestação do PMDB, o processo seletivo foi adiado.
Assim como agora, uma das principais preocupações era a reduzida capacidade de investimentos, tendo a folha de pagamento quase no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. A bancada aliada do governador eleito foi orientada a derrubar emenda aditiva oferecida pelo governador Lerner ao projeto de orçamento prevendo remanejamento, de recursos na ordem de R$ 95 milhões, sob o argumento de Lerner estar avançando no orçamento do novo governo. Foi então aprovada redução para R$ 70 milhões. Na transição atual, os membros da equipe de Beto pediram informações sobre 165 itens ao governo, sugerindo que sejam entregues até a próxima quinta-feira.