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‘Há um acordo de autodefesa do sistema político contra o Judiciário’

Ao analisar o reflexo da votação na Câmara dos Deputados da denúncia contra o presidente Michel Temer por corrupção passiva, o professor de filosofia da Unicamp e cientista político Marcos Nobre aponta um “acordo geral de autodefesa do sistema político contra o Judiciário”. Para Nobre, o principal objetivo da base governista que votou contra o prosseguimento da acusação formal é se reeleger para “fugir de Curitiba”.

Ele vê o PSDB em um momento de divisão total, com duas estratégias distintas: com o senador Aécio Neves (MG) agindo como o “mais importante articulador do governo” e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, costurando para que o partido desembarque da gestão Temer o mais rápido o possível.

“A sigla está rachada no meio e cada metade desceu para um lado do muro. É a primeira vez que o PSDB não vai poder subir no muro e fazer um arranjo interno. Alguém vai ser massacrado”, disse Nobre. Veja os principais trechos da entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Como avalia a votação da denúncia contra Temer na Câmara e o placar de 263 votos favoráveis?

A questão não é o placar. Se a gente se fixar nisso, acha que essa votação era sobre o Temer. E não era. A votação era sobre duas estratégias para 2018 do campo de centro-direita, que hoje está próximo do governo. Uma é colar em Temer, porque vai ser uma das duas únicas fontes de recurso para eleição de 2018, já que não vai ter financiamento empresarial e que as doações de pessoa física serão limitadas. A outra fonte será o fundo (eleitoral, em discussão na reforma política). Então a estratégia é ter os partidos e usar a máquina governamental. Tanto em termos de cargos, quanto em termos de recursos. Por que a prioridade é renovar o mandato para fugir de Curitiba. A outra estratégia é: para ter de fato chance de ganhar eleição presidencial é preciso descolar do governo Temer.

Quem são os articulistas dessas estratégias?

Aécio na primeira estratégia e o Alckmin, na Segunda.

Então, as chances do Temer de continuar na Presidência estão nas mãos do PSDB?

Não do PSDB inteiro, do Aécio. A sigla está rachada no meio e cada metade desceu para um lado do muro. É a primeira vez que o PSDB não vai poder subir no muro e fazer um arranjo interno. Alguém vai ser massacrado. Os alquimistas vão tentar liquidar os aecistas com base na ideia de que eles precisam ter uma candidatura presidencial viável. Já os aecistas adotaram a estratégia de colar no Temer e usar os recursos do governo para liquidar os alquimistas. Hoje o Aécio é o mais importante articulador do governo. O fato de Imbassahy ter entrado na Secretaria de Governo significa que existe um jogo ‘Aécio-Rodrigo Maia-Imbassahy’ para reorganizar o Centrão como uma base aliada do governo. Vai ser uma base menor, mas mais aguerrida.

É possível um dos lados dos tucanos ‘perder’ e continuar no partido?

É uma situação de guerra, em que não tem solução a não ser com a derrota do adversário e daí essa derrota tem que ser feita a tempo do adversário sair. Se a reforma política mantiver a exigência de filiação até 6 meses antes (das eleições), então é até abril.

Por que Aécio está articulando em favor de Temer?

Do ponto de vista eleitoral, Aécio não tem mais nenhuma perspectiva. Defender o Temer, para ele, é defender a si mesmo. No mesmo jeito, guardadas as devidas proporções, do Eduardo Cunha. Qual a diferença? O Eduardo Cunha, no governo Dilma, foi para oposição, foi pro confronto. O Aécio, pelo contrário, vai ser o Eduardo Cunha do governo Temer do lado de Temer.

Após a denúncia ser barrada, Temer ficou refém da Câmara?

A noção de refém acho que é ruim, no caso do Temer, porque parece que está preso. E ele está muito bem onde está, junto com o Congresso. O Luiz Felipe Alencastro (professor de Economia/FGV) chamou de “parlamentarismo troncho”, mas eu acho que não chega a ser um parlamentarismo. É um acordo geral de autodefesa do sistema político contra o Judiciário. O que o Aécio está propondo é organizar todas essas forças num “grupão” pra defender o governo. Então é um novo Centrão.

Como Aécio consegue articular essa base em torno dele?

Ele tá morto do ponto de vista eleitoral, mas não do ponto de vista do jogo político, porque há justamente um descolamento total do sistema político em relação à sociedade. O sistema político está girando em autodefesa, completamente descolado da sociedade. E a lógica dele é assim: eles têm o monopólio da representação – se quiser ser candidato, tem que se filiar a um desses partidos -, o monopólio dos recursos – os grandes partidos; e também querem cargos e recursos do governo. Porque, com isso, eles têm uma vantagem competitiva gigantesca em relação a qualquer outro que aparecer. Ou seja: o sistema está se organizando para impedir que algo novo surja. Que é o que todo mundo na sociedade tá esperando, mas estão fechando todos os campos para impedir que o novo apareça.

A reforma política é um exemplo disso?

Sim, ela te dá o Fundo Partidário, mas os recursos do governo fazem uma diferença enorme se você não tem financiamento empresarial.

Mas continuar com o governo agora não é uma forma de ficar com a imagem ruim para 2018?

Sim, mas para eleições presidenciais. Estaduais não. Olha o Amazonas. Tem um candidato novo? Os caras tão contando que esse governo Amazonas vai ser o modelo que vai ter em 2018. Ou seja: vocês não gostam da gente, mas vocês vão ter que escolher entre o que tem aqui. Porque a gente vai barrar o novo.

O apoio a Temer é uma forma de conter a Lava Jato?

Também. Temer e o Aécio são bons para esse sistema, porque ninguém entende a situação em que estão os outros como eles. Vão fazer de tudo pra se defender e defender quem pode ser alcançado pela operação.

Qual a estratégia deles para conter a Lava Jato?

Não tem como parar a Lava Jato, mas tem como desacelerar, jogar óleo na pista… O problema de todo mundo é chegar em 2018 elegível. Renovou mandato, você tem quatro anos de imunidade. Temer ou Aécio, se puderem, vão fazer de tudo pra desacelerar a Lava Jato. Desfazer a força-tarefa, essa é a primeira. Se ninguém falar nada, aí vai pra segunda, terceira. Não significa que vão conseguir. Mas ter alguém que está preocupado com isso no poder, estar com essa pessoa é o melhor lugar para se estar.

Temer vai continuar “sangrando” até 2018?

A chance dele sobreviver (até as eleições de 2018) é muito alta. Mas pode aparecer uma denúncia e pode ter movimento de rua de novo. Temer cai se tiver movimento de rua. A única coisa que faz você ter uma mudança dentro do sistema político tão radical como tirar um presidente é movimento de rua. Outro fator é quando o sistema político começando a comer a si mesmo, sem participação da sociedade, que é o que vinha acontecendo com o (Rodrigo) Maia.

Como foi isso?

No momento em que surgiu a possibilidade de ter o afastamento do Temer e ele assumir, é evidente que Maia aproveitou da situação. Com essa possibilidade, ele se colocou como um player num nível muito mais alto desse novo Centrão. Foi tentar ampliar o espaço do DEM. Aí veio o episódio do PSB e o Temer colocou Maia no lugar dele. Mas isso só foi possível porque o Aécio entrou no jogo, com tudo pra fazer esse novo “blocão” de apoio ao Temer. Sem isso, acho que dificilmente o Temer teria conseguido resistir.

Essa nova base fica mais coesa para uma eventual segunda denúncia contra Temer?

A ideia é essa. Passou a primeira, as outras passarão também. Porque você já riscou uma vez, risca uma segunda, uma terceira…. Então, se não tiver movimento de rua, o sistema político continuará operando fechado em si mesmo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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