Uma onda inesperada de protestos envolvendo representantes do setor militar, da sociedade civil, do empresariado, da igreja e do próprio governo, aprofundou no País a crise gerada pelo decreto que cria o Programa Nacional de Direitos Humanos.
Lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 21 de dezembro, o decreto propõe a anulação da Lei de Anistia para permitir a punição de torturadores do regime militar, a ampliação do controle social dos meios de comunicação e da economia, a intervenção do Estado em atividades do cotidiano que pode dificultar até a concessão de licenças ambientais.
A reação mais dura partiu dos presidentes dos clubes que representam as reservas das Forças Armadas. Por meio de nota divulgada hoje, os presidentes dos clubes da Aeronáutica, Militar e Naval condenaram a decisão do governo de criar a Comissão da Verdade, que poderá reabrir as investigações contra agentes do Estado que torturaram e cometeram crimes hediondos na ditadura.
O vice-almirante Ricardo Veiga Cabral (Marinha), o general Gilberto Barbosa de Figueiredo (Exército) e o tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista (Aeronáutica) advertem na nota que a democracia correrá riscos, e sequelas do passado “podem vir à tona”, se prevalecer “o revanchismo e a mesquinharia” em setores do governo.
Juntaram-se ao protesto os líderes da oposição, o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) e o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Eles ameaçam convocar a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), presente ao lançamento do decreto, para dar explicações ao Congresso.
Até a Igreja Católica protestou contra a proibição de símbolos religiosos em locais públicos, um dos itens previstos no decreto. “Daqui a pouco vamos ter que demolir a estátua do Cristo Redentor”, protestou o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas Lara Resende, para quem há intolerância religiosa num programa que deveria promover a livre manifestação religiosa.
Em meio às críticas, ninguém no governo se arriscou a sair em defesa do programa, pivô de uma crise que levou o próprio ministro da Defesa, Nelson Jobim, a colocar o cargo à disposição do presidente.
A Secretaria Especial de Direitos Humanos, responsável pelo projeto, limitou-se a divulgar nota contestando as críticas. O plano, diz a nota, “é resultado de um amplo e longo debate com a participação da sociedade” e “atende às demandas de vários segmentos, inclusive o setor do agronegócio”.