Crise política

Gravações feitas por Tony Garcia derrubaram grupo de Beto Richa do poder

Valquir Aureliano /Arquivo/Tribuna do Paraná

As suspeitas, que há meses corriam nos bastidores da política, de que o ex-deputado estadual Tony Garcia havia fechado um acordo de delação premiada se confirmaram quando veio a público, na tarde de terça-feira (11), a decisão judicial que autorizou a prisão do ex-governador Beto Richa e mais 14 pessoas. São as conversas gravadas por Tony Garcia que embasam toda a denúncia de fraude na licitação da Patrulha do Campo, com vistas a divisão de propina, de acordo com o Ministério Público Estadual.

A delação foi homologada em agosto e não atinge, em princípio, nenhum político com o direito a foro privilegiado – por isso, ficou restrita à primeira instância. Parte do conteúdo aparece no despacho do juiz Fernando Fisher, que atendeu aos pedidos do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço policial do MP, para realizar a operação Rádio Patrulha.

Tony Garcia aparece conversando com empresários e também com integrantes do governo estadual, incluindo Beto Richa, aparentemente negociando um esquema para direcionar as licitações – falando em divisão de lotes – e também para cobrar um porcentual sobre os pagamentos feitos.

Ouça a gravação com Beto Richa:

O rumor de que conversas gravadas pelo ex-deputado Tony Garcia poderiam ser incorporadas a uma investigação se acentuou depois que apareceu, em maio, um áudio entre Pedro Rache, executivo da construtora Contern, e o então chefe de gabinete de Beto Richa, Deonilson Roldo. O empreiteiro reconheceu que foi orientado pelo ex-deputado a gravar a conversa, em 2014, com o intuito de provar o direcionamento da licitação do pedágio da PR-323, que sagrou um consórcio encabeçado pela Odebrecht como único participante. Contudo, a informação de que um acordo de delação premiada havia sido homologado só foi confirmada agora.

  • Pode gravar conversa? – Por decisão pacificada do Supremo Tribunal Federal (STF), qualquer pessoa pode gravar uma conversa em que esteja presente, como interlocutor. Foi o recurso que usou Joesley Batista, especialmente contra Michel Temer (há uma discussão jurídica sobre as orientações que teria recebido do Ministério Público e da Polícia Federal, mas não sobre o direito de gravar em si) e também o filho de Cerveró, com relação ao ex-senador petista Delcidio Amaral.

Tony Garcia aparece como um dos beneficiários do esquema de direcionamento de recursos da Patrulha do Campo, programa que abastecia com máquinas as cidades do interior e que teria consumido mais de R$ 72 milhões nos primeiros anos da gestão Beto Richa. Em uma das conversas, o ex-deputado detalha qual seria a participação dele na fraude. Para tentar se livrar de uma condenação mais pesada, por prática de crime, ele teria aceitado colaborar com as investigações.

As gravações de Tony Garcia teriam sido feitas entre 2010 e 2014. Ele teve amplo acesso à cúpula do governo estadual até meados de 2015, quando começou a ruir, publicamente, a relação amistosa que mantinha com o então governador. Na época, o ex-deputado publicou no Facebook uma carta aberta a Beto Richa, fazendo críticas ao governo. De lá para cá, foram vários os momentos em que buscou atingir Beto Richa.

Nesta quarta-feira (12), a Gazeta do Povo ligou para o celular de Tony Garcia, mas não obteve retorno.

Hedeson Alves/Arquivo/Gazeta do Povo
Hedeson Alves/Arquivo/Gazeta do Povo

Figura controversa

Antonio Celso Garcia, conhecido como Tony Garcia, foi amigo de Beto Richa por muito tempo, participando de corridas de kart e também dividindo o mesmo carro em competições. Tony foi candidato a prefeito de Curitiba, em 1992, e também candidato ao Senado, com expressivas votações.

Nos anos 2000, exerceu o mandato de deputado estadual. Em 2004, chegou a ser preso pela Polícia Federal, acusado da prática de crimes financeiros no Consórcio Garibaldi, que lesou milhares de clientes – ele sempre negou que fosse o verdadeiro dono da empresa. Quando os policiais chegaram ao apartamento dele, Tony teria pulado uma sacada e se escondido em uma casinha de boneca no quintal. Contudo, ao desconfiar que podia ser encontrado, teria tentado subir em uma árvore, momento em que foi apanhado.

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Ele ficou 81 dias preso e conseguiu sair da cadeia depois de um habeas corpus e concordou em pagar R$ 5 milhões em fiança. Por ter colaborado com as investigações, em processo que tinha Sergio Moro como juiz, foi condenado em 2008 a seis anos de prestação de serviços comunitários – que acabou não cumprindo. Em recente despacho, aliás, Moro destacou, ao confirmar que o áudio de Pedro Rache foi entregue ao MPF por Tony Garcia, que ele é “pessoa condenada por crimes financeiros e pouca digna de crédito”, mas que a perícia na gravação não mostra indícios de edição e que pode ser tomada como verdadeira.

 

Outro lado

A defesa do ex-governador Beto Richa informa que não há razão para o procedimento de terça-feira (11), especialmente em período eleitoral, segundo a advogada Antônia Lélia Neves Sanches. Ela completa que Richa está sereno e sempre esteve à disposição para esclarecimentos. De acordo com a advogada, não há vedação de prisão por conta do período eleitoral, “mas há oportunismo”. A defesa, que também representa Fernanda Richa, já ingressou com pedido de habeas corpus na Justiça, que foi negado.

A defesa de Deonilson Roldo disse que ainda não teve acesso aos detalhes da investigação. O advogado Roberto Brzezinski Neto falou que Roldo “está abalado” e que a prisão foi desnecessária, uma vez que ele já tinha se colocado à disposição da Justiça para prestar esclarecimentos.

A defesa de Luiz Abi Antoun disse que não irá se manifestar. A reportagem ligou para o escritório do advogado de Ezequias Moreira, mas não conseguiu contato direto com o profissional. Uma pessoa da equipe do escritório avisou que entraria em contato com o advogado, mas a reportagem ainda não teve retorno.

Ao portal G1, a defesa de Pepe Richa informou que só vai se manifestar nos autos. A assessoria de imprensa de Joel Malucelli informou que considera “as acusações injustas”, que nega qualquer irregularidade e que sempre esteve à disposição das autoridades para esclarecimentos. “O empresário desde 2012 se desligou das atividades e rotinas da empresa fundada por ele e se encontra na presente data em férias, fora do país, aguardando orientação de seus advogados, que ainda não foram notificados oficialmente sobre a operação.”

Por meio de nota, a J. Malucelli Equipamentos negou a participação em qualquer irregularidade e informa que “não firmou qualquer contrato com o Governo do Paraná relacionado às Patrulhas Rurais”.

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A Ouro Verde informou que “prestou serviços de locação de máquinas e equipamentos pesados ao Estado do Paraná durante o período de abril de 2013 a julho de 2015 após se sagrar vencedora em processo licitatório público e que cumpriu todas as suas obrigações legais no âmbito de tal contratação, inclusive havendo atualmente cobrança judicial contra o Estado por valores não pagos, apesar dos serviços prestados”. A empresa ressalta que em 45 anos de história “jamais se envolveu e nega qualquer envolvimento com relação a qualquer ato ilícito, e tem plena convicção de que demonstrará isso de forma cabal às autoridades competentes”.

O advogado Juliano Clivatti, que representa a Cotrans, disse que a empresa não foi alvo de nenhum dos mandados de busca nem das prisões cumpridas pela operação. “Ficamos sabendo das informações pela imprensa e não tivemos acesso ao processo. A partir de que tenhamos [acesso], vamos avaliar qual será a linha adotada”, disse. “A Cotrans prestou um serviço de locação de máquinas ao governo do Paraná, após ter se sagrado vencedora em procedimento licitatório. Não há nada de anormal.”

A reportagem tenta contato com os demais envolvidos.

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