O Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) vai permitir que qualquer cidadão possa solicitar informações e dados públicos ao governo sem que o órgão questionado saiba quem fez a pergunta. A ideia é evitar represálias ou ameaças a quem pergunta e evitar viés nas respostas.
A partir da mudança, qualquer pessoa que quiser saber informações do governo poderá pedir, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), que sua identidade seja ocultada do servidor público que irá fornecer a resposta. Somente a própria CGU terá acesso ao nome do solicitante. A medida era amplamente defendida por especialistas, por garantir o princípio da impessoalidade na administração pública.
A mudança, até o momento, vale apenas para os órgãos federais. “O Ministério irá adequar o e-SIC (portais onde se pede informações públicas ao governo federal) de forma que o requerente possa solicitar, caso deseje, que sua identidade seja preservada. A necessidade de incluir informações pessoais permanecerá, mas elas não serão compartilhadas com os órgãos, ficando retidas na CGU”, informou o órgão à reportagem.
A mudança foi anunciada depois da divulgação de um relatório internacional independente feito pela Open Government Partnership (OGP), de Washington (EUA), em junho, que aponta que o governo federal havia cumprido apenas parcialmente uma meta acordada internacionalmente, em 2016, de proteger os autores dos pedidos de informação.
O documento, assinado pelo pesquisador Fabro Steibel, usa uma reportagem do Estado publicada em novembro de 2017 como exemplo prático de que a identificação dos requerentes de informações públicas pode comprometer o direito à informação. Naquela época, a reportagem revelou áudios de uma reunião dentro da Prefeitura em que o então chefe de gabinete da Secretaria Especial da Comunicação da gestão João Doria (PSDB) dava orientações para dificultar pedidos feitos por jornalistas, para evitar uma imagem negativa da administração municipal. No mesmo dia em que a matéria foi publicada, o chefe de gabinete foi exonerado e o Ministério Público Estadual (MPE) instaurou um inquérito para apurar o caso.
A proteção aos requerentes é uma das metas do 3.º Plano de Ação de Governo Aberto do Brasil, feito pelo Mecanismo de Avaliação Independente (IRM), que faz parte da OGP. A entidade foi criada a partir de uma iniciativa internacional que incentiva globalmente práticas relacionadas às transparências dos governos. O Brasil é membro-fundador da parceria.
Os planos de ação nacionais possuem duração de dois anos e, ao longo deste período, os países são avaliados pela organização, que publica relatórios independentes de avaliação bianual para cada país participante.
Respostas diferentes. Outra fonte citada pelo relatório é um estudo produzido pelo pesquisador Rafael Velasco, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio). Foram feitas centenas de pedidos de informação por pessoas de profissionais de profissões diferentes – dois pesquisadores, um porteiro e uma de uma faxineira – com o consentimento destes. Os resultados apontaram respostas diferentes para ambos, comprovando que há viés.
Orientador do estudo, o professor Gregory Michener, afirmou que a iniciativa do governo federal é um avanço. “Sabemos que a resposta pode ser, sim, discriminatória, e que os servidores públicos fazem buscas no Google para saber quem pediu a informação. Isto pode gerar represálias, intimidações e, em alguns casos, até violência”, disse.
O especialista ressaltou, no entanto, que o modelo adotado pelo CGU ainda não é o ideal. “Outros países já encorajam o uso de pseudônimo e o Brasil está fora da curva. O correto seria ter o anonimato como regra e a identificação somente nos casos em que a pessoa concorda em se identificar. Ao colocar o anonimato como exceção, ainda existe o risco de quem receber o pedido de informação por um anônimo ficar desconfiado logo de cara.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.