O governo federal pretende criar novas normas para reger os repasses do Tesouro Nacional a bancos públicos, como forma de sinalizar ao Tribunal de Contas da União (TCU) que as “pedaladas fiscais” ficaram no passado. O principal objetivo é evitar uma inédita reprovação das contas de 2014 em sessão prevista para outubro. A decisão a ser tomada pela corte pode precipitar um processo de impeachment contra a presidente.
Os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da Advocacia-Geral da União (AGU), Luís Inácio Adams, apresentaram nesta terça-feira, 22, propostas sobre as novas regras a serem adotadas a ministros e técnicos do tribunal. O objetivo é chegar a um entendimento até a semana que vem sobre a forma dessas alterações – antes, portanto, da apreciação das contas. “Para nós, o quanto antes (houver consenso) melhor. O importante é chegar a um entendimento. Queremos estabelecer limites. Quais são, estamos discutindo”, disse Adams à reportagem, no TCU, pouco antes de fazer uma romaria por gabinetes de ministros.
Apesar da disposição do governo, técnicos e ministros do tribunal veem como improvável uma mudança de humor na corte, que estaria inclinada a dar parecer pela rejeição do balanço de 2014.
Se o entendimento for fechado, o governo vai alterar portarias e contratos que regem a forma de transferências de recursos obrigatórios do Tesouro para os ministérios do Desenvolvimento Social e do Trabalho, que repassam recursos para a Caixa, responsável pelo pagamento de benefícios sociais, além de portarias que detalham os pagamentos do Tesouro ao BNDES e ao Banco do Brasil dos subsídios atrasados.
“O TCU apresentou uma fragilidade do sistema. Nós entendemos que não há erro de conduta do governo. Mas tudo bem. Nosso objetivo é coibir isso para que não exista mais chance de fragilidade no futuro”, disse Adams.
O ministro explicou que o documento entregue aos integrantes do TCU reúne diretrizes de como incorporar “preocupações do tribunal às relações do governo com o setor financeiro”, mas que os detalhes ainda serão pactuados.
Na defesa formal do processo de contas, com mais de duas mil páginas, entregue ao TCU, o governo sustenta que mesmo que o TCU considere as pedaladas como um crime de responsabilidade fiscal, o governo não pode ser condenado por ter repetido práticas do passado e que o entendimento do tribunal deve valer para o futuro.
As pedaladas fiscais, reveladas pelo jornal O Estado de S.Paulo em julho do ano passado, consistem nos atrasos, propositais, no repasse de recursos do Tesouro Nacional para ministérios, que servem de intermediários da Caixa no pagamento de programas como Bolsa Família, Seguro-Desemprego e Abono Salarial. Esses programas são obrigatórios. Por isso, a decisão da Caixa de usar recursos próprios para continuar pagando em dia esses programas, mesmo sem receber o dinheiro dos ministérios, que tinham ficado sem os recursos do Tesouro. A prática visava apresentar um resultado artificialmente melhor das contas públicas.
Segundo o TCU, as pedaladas fiscais podem ter constituído um crime fiscal, uma vez que a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe que uma instituição financeira estatal financie seu controlador. Teria sido isso o que ocorreu quando a Caixa, que pertence 100% ao governo, adiantou recursos que deveriam ser do Tesouro. O governo, por outro lado, alega que essas operações são prestação de serviço e não constituíram um financiamento da Caixa ao Tesouro. O centro da defesa do governo, no entanto, é a “segurança jurídica”: a argumentação de que, caso o TCU entenda que tenha sido um crime, uma condenação não pode ser possível para o passado, uma vez que não havia, até então, uma compreensão de que essas pedaladas eram vedadas.
Outro ponto considerado como “distorção” nas contas de 2014 pelo TCU é o fato de que essas pedaladas – que foram comprovadas pelos auditores -, ao constituírem uma dívida do Tesouro, deveriam ser incluídas pelo Banco Central nas estatísticas fiscais. Esse ponto também está em negociação pelo governo no TCU e pode ter uma nova regulamentação agora.
Atualmente, o BC não incorpora na dívida pública os saldos que foram atrasados pelo Tesouro. Nem mesmo aqueles que continuam atrasados: o Tesouro continua com uma dívida superior a R$ 30 bilhões pendurada no Banco do Brasil (BB) e no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) por conta dos “subsídios” oferecidos por esses bancos. Os bancos oferecem taxas de juros mais baixas em programas específicos (crédito agrícola, no caso do BB, e o PSI, no caso do BNDES) e recebem, do Tesouro, um complemento, chamado tecnicamente de “equalização de juros”. Esse mecanismo é o que permite a oferta dos juros subsidiados. Mas o Tesouro aumentou muito, a partir de 2013, o total da dívida em descoberto com os dois bancos. Somente com o BB, segundo dados do primeiro semestre deste ano, o total pendurado superou R$ 12,5 bilhões.