As construtoras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) recorrem às mesmas práticas de recrutamento de trabalhadores dos tempos do “Brasil Grande”, nos anos 70, quando o País viveu um surto de desenvolvimento econômico no período do regime militar (1964-1985).
As vagas dos canteiros de obras da usina hidrelétrica de Jirau, paralisada depois de um quebra-quebra promovido pelos operários, foram preenchidas, nos últimos meses, por migrantes que receberam promessas de “gatos” para enfrentar mais de três dias em ônibus precários das cidades nordestinas até as margens do Rio Madeira.
A história de um dos “gatos”, homens pagos para recrutar pessoal sem qualificação em sítios e povoados do sertão, ganhou status de lenda, tamanho o ódio que desperta nos que se aventuraram em busca do “Eldorado” de Rondônia. Os operários falam de um “Antônio Carlos”, homem de boa conversa, que consegue “enganar direitinho o pessoal”.
Ninguém sabe o nome completo ou o endereço dele. Os “Antônios” com sobrenome e demais dados de identificação são os que aparecem nas filas de reclamação. “Ele cumpriu o trato de garantir merenda na viagem, mas até agora não recebi os R$ 120 que prometeu quando a gente chegasse aqui”, queixou-se o operário Antônio Raimundo Pinho da Silva, 48 anos, um dos que deixaram o alojamento da Jauru Engenharia, na madrugada de quinta-feira, desesperado com um incêndio.
O incêndio teria sido provocado por funcionários da Camargo Corrêa revoltados com o valor dos benefícios pagos pela empresa.
“PANELA”
De Parnarama, a família do operário já acreditou ou teve de confiar em outros “gatos”. O pai, tios e conterrâneos de Antônio Raimundo foram deslocados do Maranhão para as matas do Pará, nos anos 1970, para trabalhar nas obras da hidrelétrica de Tucuruí e da rodovia Transnordestina.
Aos 18 anos, Antônio Raimundo era um dos milhares de maranhenses que atravessaram o rio Tocantins para se aventurar no garimpo de ouro de Serra Pelada. Ele não se lembra do nome do “gato” que o levou para uma frente de extração do garimpo, mas cita histórias de ordem e rigidez dentro da mina.
Longe do tempo em que ecoava a frase “a economia vai bem, mas o povo vai mal”, nos anos do milagre econômico do governo Médici (1969-1974), época em que o salário real ficava bem longe dos números de aumento do Produto Interno Bruto (PIB), o País ainda enfrenta, porém, o desafio das relações de trabalho.
O operário paraense Antônio César Souza da Silva, 34 anos, de Belém, reclama que o “gato” quando chegou para conversar com o pessoal num bairro da periferia da capital paraense, não disse que em Jirau havia seguranças dispostos a espancar quem entrasse alcoolizado no alojamento nem quem desrespeitasse filas no refeitório e nos banheiros.
“Os seguranças não sabiam conversar. Nos finais de semana, quando o pessoal passava um pouquinho da conta na bebida, eles tratavam os bêbados na pancada, como se fossem vagabundos”, relata Antônio César.
O operário paraense compara o alojamento da Jauru a uma “panela” “Eu não sabia que a obra era uma panela difícil para sair”, diz Antônio César afirma que, ainda em Belém, assinou um “contrato de comprometimento” com o “gato” em que abriria mão de qualquer benefício se deixasse as obras de Jirau antes de três meses. “Se sai antes de 90 dias, a volta é por sua conta”, revela.
Com salários em média de R$ 1 mil, os operários tentam prolongar o máximo a permanência nos canteiros e esperar pelo cumprimento do prazo estabelecido no contrato para deixarem Rondônia. “Antes disso, eles não dão sua conta. Se sair, não pega nem o seguro desemprego”, reclama José Francisco Soares, 29, de Imperatriz.
“FOFOCA”
É no povoado de Jacy-Paraná, transformado do dia para a noite na maior “fofoca” do complexo do Jirau – reduto de jogos, bares e mulheres -, que a maioria dos operários costuma ir nos finais de semana e os momentos de folga. Pelo acordo firmado ainda pelo “gato”, eles têm direito à “embaixada”, isto é, a uma visita de cinco dias à família, com transporte pago, a cada quatro meses de trabalho.
Muitos dos operários de Jirau sonham em ir para os canteiros da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. É o caso do maranhense Rafael Mendes Pereira. “Aqui, em Rondônia, é um inferno. Pelo menos, em Belo Monte, a gente vai estar mais perto de casa”, afirma. “Os encarregados no Jirau acham que só porque usam fardas amarelas podem agredir as pessoas.”