Às vésperas do segundo turno das eleições municipais, o jornal britânico Financial Times traz hoje uma grande reportagem com o título: “Evangélicos do Brasil empurram a política para a direita”. Com uma foto do senador Marcelo Crivella, o periódico diz que ele é o grande favorito para se tornar o prefeito do Rio de Janeiro, citado como uma das cidades mais racialmente e socialmente diversas das Américas.

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Essa ênfase sobre o Rio é dada porque a matéria destaca a postura do candidato favorito. Conta que o missionário evangélico que atuou na África durante vários anos descreveu uma vez os católicos e outras denominações cristãs como demoníacos e condenou a homossexualidade como um terrível mal. “Sua vitória iminente nas eleições de segundo turno no dia 30 de outubro reflete um emergente bloco evangélico que está conduzindo a política brasileira para a direita, dizem os analistas, e está prestes a se tornar mais poderoso e influente”, traz o texto.

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A reportagem apresenta a avaliação de Jean Wyllys sobre o tema, descrito como um parlamentar socialista de esquerda e único membro abertamente gay do Congresso brasileiro: “Não é suficiente para eles evangelizar – eles também querem influenciar a lei”.

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A bancada evangelista tornou-se tão influente, de acordo com o FT, que desempenhou um papel fundamental no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em agosto. São 199 assentos do bloco de um total de 513 na Câmara dos Deputados. O jornal lembra que eles se juntaram a outras bancadas conservadoras, como a da segurança pública e dos ruralistas, para formar o que o Brasil já conhece como os três “Bs”: bíblia, boi e bala.

O veículo britânico salienta que o impeachment em si foi conduzido por um dos líderes evangélicos mais proeminentes do Congresso, Eduardo Cunha, então presidente da Câmara. Na semana passada, ele – até então conhecido por defender os “direitos dos heterossexuais” e o endurecimento das leis de aborto para vítimas de estupro – foi preso no escândalo de corrupção da Petrobras.

A ascensão de políticos evangélicos, conforme o FT, reflete, em parte, mudanças da demografia brasileira. Enquanto o País ainda abriga a maior população mundial de católicos, o censo de 2010 mostrou que o número de evangélicos tinha subido de 15,4% de uma década antes para 22,2% naquele ano. O jornal salienta que a nova proibição de doações de empresas para os políticos também servirá para fortalecer o poder desse bloco, já que igrejas não têm de declarar rendimentos ou pagar impostos.

O Financial Times avalia ainda que o descontentamento generalizado com a classe política e um número crescente de abstenções e votos nulos jogam a política nas mãos de grupos altamente organizados, tais como a igreja. Consultado, o cientista político da Universidade Insper em São Paulo Carlos Melo disse que a ascensão das igrejas “mostra uma crise de representação que está afetando a política brasileira em geral.

O periódico comenta ainda que, dada a fragmentação da política doméstica, que conta com 35 partidos oficialmente registrados e que têm diferentes pontos de vista, os governos são normalmente feitos de coalizões amplas que ajudam a manter o radicalismo contido. “Acho que a propaganda contra Crivella é realmente muito tendenciosa”, disse Marco Aurélio, da FGV no Rio. “Por que um candidato com um fundo evangélico não pode governar no Brasil?”

Além disso, a publicação cita que Crivella conta com apoio de 46% da população do Rio, enquanto o rival de esquerda, Marcelo Freixo, detém 29%. Para manter essa preferência, o FT destaca que Crivella tem procurado se distanciar de suas declarações mais extremas, como a de que religiões africanas foram baseadas em “maus espíritos”. “Esta é uma afirmação controversa no Brasil, onde metade da população tem algum sangue africano.”

Por fim, o FT explica que Crivella tem se desculpado pelo que escreveu, dizendo que o livro (em que mostra algumas ideias mais radicais) era o trabalho de um jovem missionário cuja imaturidade o levou a cometer “erros lamentáveis”. O livro foi publicado quando ele tinha 42 anos. “Eu amo católicos, espíritas, evangélicos, todos. Se eu tiver feito qualquer ofensa na ocasião, peço perdão. O mesmo em relação à homossexualidade”, disse ele, segundo o fim da matéria do jornal britânico.