A Câmara Municipal de Santarém, no Pará, vai contar com um mosaico de 15 partidos em suas 21 cadeiras a partir do ano que vem. Para formar uma maioria de votos, o novo prefeito terá de negociar com pelo menos seis legendas – ou barganhar o apoio das 12 que elegeram um único vereador. Tal cenário, porém, seria diferente se não fossem permitidas as coligações nas eleições para o Legislativo. Nesse caso, apenas quatro partidos conquistariam vagas na Câmara.
Santarém está longe de ser exceção. Levantamento do Estadão Dados revela que a pulverização partidária teria uma redução drástica nos Legislativos municipais com a proibição das coligações nas eleições para vereador e deputado, medida que está em debate no Congresso. Em nada menos que 91% das cidades haveria redução no número de partidos com representantes eleitos se a regra tivesse valido na disputa deste ano.
As coligações favorecem a pulverização porque partidos pequenos, que isoladamente não alcançariam o piso mínimo de votos para eleger um vereador, acabam pegando “carona” ao fazer alianças com legendas maiores. Nas eleições deste ano, os maiores fornecedores dessa carona foram o PMDB e o PSDB, que, com seus votos, garantiram a eleição de 2.782 vereadores de outros partidos. Na prática, as duas legendas poderiam ter obtido, respectivamente, 24% e 17% a mais de cadeiras se não tivessem feito alianças.
O fenômeno da carona, além de generalizado, é significativo na composição das câmaras. Em 2.563 (48%) das 5.568 cidades em que houve eleições, pelo menos metade dos partidos representados não teria obtido uma única cadeira sem o artifício da coligação.
Diminuição
Em números absolutos, a cidade que mais enxugaria o número de partidos em sua Câmara se não houvesse coligações é Itapecuru Mirim (MA): de 14, passaria para apenas dois. Mas há casos ainda mais extremos: em 176 municípios, apenas um partido passaria a ocupar todas as vagas da Câmara, por ser o único a ter alcançado o número mínimo de votos para eleger um vereador.
Esse piso se chama quociente eleitoral, e é o resultado da divisão do total de votos válidos pelo número de cadeiras em disputa. A atual legislação permite que um partido eleja vereadores mesmo sem alcançar esse quociente – basta que as legendas de sua coligação, somadas, tenham o número de votos mínimo.
Essa regra favorece a dispersão partidária também nas esferas estadual e federal. Nas eleições de 2014, por exemplo, o número de partidos com assento na Câmara dos Deputados teria sido de 22, em vez de 28, se não houvesse coligações, conforme calculou o Estadão Dados na época.
Além disso, haveria uma ampliação do peso dos maiores partidos – PMDB, PT e PSDB, que elegeram pouco mais de um terço dos deputados, ganhariam 84 vagas a mais e controlariam 53% das cadeiras.
Representação
A proibição das coligações nas eleições para o Legislativo já foi discutida em outras iniciativas de reforma política, mas a proposta acabou sepultada graças ao lobby dos partidos médios e pequenos, prováveis prejudicados pela medida.
Além de favorecer a fragmentação partidária, as coligações podem distorcer a vontade do eleitorado – uma pessoa pode votar no partido A e ajudar a eleger um representante da legenda B, muitas vezes sem saber.
“A transferência de votos intracoligação, considerando sua heterogeneidade ideológica e sua dinâmica oportunista, é um problema porque exacerba patologias ou incongruências da representação democrática. Na prática, o voto em um representante ultraconservador pode ser transferido para um representante de extrema esquerda, e vice-versa”, disse o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Marcus André Melo.
Para ele, as coligações não são um problema em si, pois são encontradas em várias democracias. “A especificidade brasileira está associada ao número elevadíssimo de partidos políticos que têm representantes nas casas legislativas. Em sete Estados a fragmentação já atingiu o máximo: todos os deputados federais provêm de partidos distintos. Está disfuncional.”