Em documento encaminhado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que no plantão judiciário concedeu uma liminar para soltar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, declarou-se competente para ter tomado esta decisão, criticou pelo descumprimento dela o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, e o desembargador Gebran Neto, também do TRF-4, relatores da Lava Jato na primeira e na segunda instância, respectivamente.
Favreto, Moro e Gebran foram intimados em 19 de julho pelo ministro corregedor do CNJ, João Otávio de Noronha, a prestar informações sobre o episódio no TRF-4, no dia 8 de julho – decisões que se contrapuseram em torno de um pedido habeas corpus do ex-presidente Lula. Favreto afirmou que os dois outros magistrados provocaram “grave e profunda fissura no Poder Judiciário”.
O desembargador voltou a defender o entendimento que o levou a conceder a liminar pela soltura, sustentou que decidir habeas corpus é obrigação de magistrados em plantão. Insistiu que agiu dentro dos estreitos limites de sua competência e que não praticou nenhum ato que tisnasse sua conduta funcional. Ao fim da exposição, pediu o arquivamento do procedimento aberto no CNJ.
O magistrado também questionou a atitude da PF de ter, segundo ele, consultado Moro para saber se deveriam cumprir ou não a decisão do desembargador plantonista, “como se fosse uma autoridade superior”. “Este ato de desrespeito a ordem judicial por uma autoridade policial deveria ser apurado pela Corregedoria da Policia Federal”, disse.
Afirmando que Moro foi alçado a “figura mitológica que combate o mal”, o desembargador criticou o que chamou de “moralismo que tem formado heróis às avessas em nosso país e tem impedido que o jogo democrático se funde em sua própria autorregulação, expressando a vontade popular soberana”.
“Escudando-se em um suposto sentimento de ‘moralidade’, lançam-se os magistrados a emitir contraordem de decisão de instância superior ou contraordem a decisão de colega de mesmo grau de jurisdição. Uma grave e profunda fissura no Poder Judiciário. Grandes atrocidades foram cometidas pela humanidade em nome da moral particular dos homens, de um homem ou de uma nação inteira”, afirmou Rogério Favreto.
“O juiz de 1º grau não só deu uma decisão, determinando que a Polícia Federal não cumprisse o alvará de soltura emitido por ordem do Desembargador plantonista, como o Desembargador Gebran Neto também proferiu uma decisão, reforçando que o paciente deveria ser mantido preso por razões processuais”, disse Favreto ao apresentar sua versão sobre os fatos.
O desembargador disse que foi acusado por “pessoas que não gostam do paciente (Lula)” e falou que esse tipo de situação tem por objetivo intimidar os magistrados. Para se defender, citou várias declarações de juristas e ex-ministros de tribunais superiores que consideraram-no competente para a decisão e disseram que ela deveria ter sido cumprida.
Ao pedir o arquivamento do procedimento, argumentou que a análise dos conteúdos e fundamentos das decisões judiciais não é função do órgão, “na medida em que Sua importante e qualificada atuação, com nascedouro constitucional, se firma no aspecto da atuação funcional dos magistrados e não em relação ao seu mérito”. Citou jurisprudência ampla do CNJ dizendo que o órgão não apreciará processos em que se questiona a decisão do magistrado no processo judicial.
“Qualquer forma de controle de sua decisão, que não sejam aqueles garantidos no processo, poderia implodir o sistema e colocar em risco o modelo tripartite (divisão entre Três Poderes) que norteia a República Democrática brasileira”, afirmou.
‘Superpoderes’
Além disso, sugeriu a punição de Moro e disse que o CNJ já puniu magistrados que descumpriram ordens de superiores. Ironizando Moro ao falar em “juiz com superpoderes”, afirmou que houve distúrbios com a decisão do juiz, quando este disse que “Então, em princípio, este Juízo, assim como não tem poderes de ordenar a prisão do paciente, não tem poderes para autorizar a soltura.”
“Mas não era pedido que ele ordenasse soltura, já que esta fora ordenada pelo Desembargador Federal plantonista e sequer estava escalado para o plantão em primeira instância, bem como não era autoridade coatora, mas sim a juíza da 12ª Vara de Execuções Penais de Curitiba-PR”, argumentou Favreto.
“Sublinhe-se aqui a gravidade do que este procedimento pode apurar: como é possível permitir que a polícia descumpra uma ordem judicial porque o agente policial decidiu “consultar” um juiz de primeiro grau que se encontrava em férias? Existe uma nova organização judiciária que coloca um Juiz de piso como autoridade judicial que precisa ser consultada quando um magistrado do Tribunal emite uma ordem judicial? E o juiz com superpoderes poderia ter sequer respondido ao questionamento da polícia? Lógico que não!”
Favreto afirmou também que trabalhou no governo (entre 2005 e 2010) na condição de servidor público concursado e cedido para ocupar funções na área jurídica, mas que isso “não significa que mantém relação de íntima amizade com o ex-Presidente e líder do partido”.
Disse também que magistrados não devem atuar “tangidos por um pensamento único, maniqueísta, orientado pela mídia dominante, ou pior, temer a exposição pública porque teve a coragem de decidir conforme as suas convicções legais”.
“Não pode haver nenhum impedimento para o livre exercício do ato de decidir, sob pena de se transformar a magistratura em mera caricatura do que é verdadeiramente seu papel em um Estado Democrático de Direito”, afirmou.