Integrantes da Comissão Nacional da Verdade, da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, peritos da Polícia Federal e do Instituto de Medicina-Legal de Ribeirão Preto (SP), além de familiares, exumaram os restos mortais de Arnaldo Cardoso Rocha, integrante da Aliança Libertadora Nacional (ALN) morto em 1973. O procedimento é o mesmo já feito com pelo menos outros quatro militantes de esquerda mortos por agentes do governo no período da ditadura militar e que será realizado em outubro com os restos mortais do ex-presidente João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964, para verificar suspeita de que ele teria sido envenenado.
Arnaldo foi morto em 15 de março de 1973, em São Paulo. Pela versão oficial, ele teria sido atingido na perna, no supercílio e na mão em troca de tiros com agentes comandados pelo coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, então comandante do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do II Exército. Porém, segundo o coordenador da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos, Gilles Gomes, uma análise preliminar após a exumação já revelou perfurações no ombro e no abdome do militante e a família de Rocha suspeita que ele tenha sido executado em uma emboscada.
“O corpo foi pré-examinado no local e foram encontrados projetis”, contou Gilles Gomes. O procedimento foi realizado no cemitério Parque da Colina, em Belo Horizonte (MG), na segunda-feira, 12, e os restos mortais foram encaminhados para o Instituto Nacional de Criminalística (INC) da Polícia Federal, em Brasília (DF). “Serão feitos exames patológicos e outros. Não há como prever um prazo para o laudo final, porque não se sabe o que será encontrado. (Mas) acreditamos que em 15 ou 20 dias já se tenha um resultado preliminar”, observou.
A análise realizada no cemitério indicou também que o corpo de Rocha não foi submetido a necropsia, como afirmavam os documentos oficiais. O corpo foi entregue à família em caixão lacrado pelo DOI-Codi e a arma que estaria com o militante só foi formalmente apreendida quatro dias depois da morte. “Há indicativo de que houve uma execução e de que a cena foi montada”, salientou Gomes. Ele observou que as características são as mesmas dos outros 360 opositores da ditadura militar que foram mortos ou dados como desaparecidos. “Em 99% dos casos, a versão propagada é de que foi uma troca de tiros com agentes do governo. Curioso que quase nunca houve mortes entre esses agentes”, ressaltou o coordenador da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos.
Ex-presidente
Gilles Gomes espera que, assim como Arnaldo Rocha, a exumação dos restos mortais do ex-presidente João Goulart possam acabar com qualquer dúvida sobre as circunstâncias de sua morte. Laudo oficial aponta que ele foi vítima de um ataque cardíaco em 6 de dezembro de 1976, em Corrientes, na Argentina. Porém, o ex-agente do serviço secreto do Uruguai Mario Neira Barreto afirmou que Jango – como o ex-presidente era conhecido – foi vítima da Operação Condor, organizada pelos governos militares do Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile para combater opositores dos regimes.
Segundo Barreto, o ex-presidente teria sido envenenado por ordem do delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo, com concordância do então presidente Ernesto Geisel. “Há provas de que João Goulart foi monitorado por sete anos, mesmo no exílio. Há fotos da casa dele, por exemplo. A exumação é só mais uma prova. Mesmo que exames toxicológicos não revelem nada, é possível concluir que os outros elementos sejam suficientes para confirmar que ele foi assassinado”, concluiu Gomes. A Comissão Nacional da Verdade também investiga a possibilidade de outro ex-presidente, Juscelino Kubitschek, ter sido morto pelo governo militar.