A ex-chefe de um gerente de comunicação da Petrobras ligado ao PT da Bahia afirmou em depoimento à Polícia Federal que sustou pagamentos de diversos serviços fechados por ele porque não conseguiu identificar a realização efetiva dos contratos. Geovane de Morais, ex-gerente de Comunicação da Diretoria de Abastecimento da estatal, é figura central da apuração da Operação Lava Jato que investiga suposto pagamento de pelo menos R$ 6 milhões para a agência de publicidade Muranno Brasil Marketing, com dinheiro de propina. Parte desse valor foi repassado via doleiro Alberto Youssef.

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Os pagamentos, segundo apura a Lava Jato, teriam sido feitos por ordem direta do ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli, seu ex-chefe de gabinete Armando Tripodi, com suposto conhecimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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“Inquirida se tem conhecimento que Geovane de Morais recebia pressão interna para aprovar e pagar vários serviços na Gerência de Comunicação, mormente no ano de 2008, respondeu que desconfiava que sim, por este motivo sustou o pagamento de diversos serviços que não conseguiu identificar sua realização efetiva, ou que tivessem valores elevados sem devida justificação”, registra termo de depoimento de Carmem Silvia de Noronha Swire.

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Funcionária aposentada da Petrobras, ela foi ouvida em 13 de outubro em inquérito da Lava Jato, de Curitiba, que tem os pagamentos a Muranno Brasil como alvo. Carmem era chefe imediata de Geovane de Morais. Ela foi gerente de contratos da área de Abastecimento da estatal de outubro de 2004 a novembro de 2005 e gerente-geral de Gestão Corporativa da área de Abastecimento de novembro de 2005 setembro de 2008 – quando se aposentou. Sua chefe imediata era Venina Velosa da Fonseca.

“Ao assumir a Gerência Geral de Gestão Corporativa, Giovane de Morais já estava na Gerência de Comunicação desde 2004, que segundo o próprio, seria vinculada ao Partido dos Trabalhadores da Bahia”, afirmou a testemunha.

“Se recorda, entretanto, que no ano de 2008 devolveu para a Gerência de Comunicação vários processos de pagamento para melhor instrução, visto que, não conseguiu identificar as contrapartidas E maior parte desses processos não retornou declarante para liberação de pagamento.”

A ex-gerente aposentada afirmou que ficou sabendo, depois de sair da estatal, que Geovane de Morais “teria se aproveitado de uma falha no SAP (Sistema de Liberação de Pagamento) que permitiria qualquer gerente com devida senha liberar qualquer valor, dessa forma, podendo inclusive ultrapassar limite de competência que ele estaria adstrito”. Ela disse isso ao ser questionada se tinha conhecimento se ele pagava por serviços “sem comprovação que os serviços foram realizados e sem que os limites estabelecidos para o cargo fossem obedecidos”.

Investigação

Os pagamentos a Muranno são investigados em inquérito aberto pela Polícia Federal em 2014, no início da Lava Jato, após ela aparecer nos desembolsos feitos por Youssef com recursos desviados da Petrobras via contratos da Camargo Corrêa – construtora acusada de cartel. Foram feitos pagamentos que totalizaram R$ 1,7 milhão entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011 para a agência.

Na versão do doleiro que é peça central na Lava Jato, houve uma suposta chantagem do dono da Muranno, Ricardo Villani, que queria receber valores não oficiais atrasados, em 2010 – último ano do governo Lula. Morais era o gerente da área que contratou a agência, supostamente por serviços de marketing em eventos sem contratação formal.

Na delação de Youssef, ele afirmou que Lula soube da ameaça, na época, e teria determinado a Gabrielli que usasse o dinheiro “das empreiteiras” para resolver a pendência. O ex-presidente da Petrobras teria procurado o ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa, que mandou o doleiro – espécie de contador e financeiro das propinas na Diretoria de Abastecimento – fazer o pagamento.

O ex-diretor de Abastecimento confirmou em depoimento à PF que partiu do ex-presidente da Petrobras a ordem para o pagamento da Muranno. “Em determinada oportunidade, o então presidente da empresa Sérgio Gabrielli mencionou ao declarante a existência de uma ‘pendência’ da Petrobras junto a empresa (Muranno) e solicitou ao declarante que fosse resolvida”, afirmou Paulo Roberto Costa, no dia 14 de julho de 2015.

O ex-diretor Paulo Roberto Costa declarou que não sabia dizer por “qual motivo Gabrielli tenha intercedido pela empresa Muranno”. Youssef contou em um de seus termos de delação história parecida e detalhou como providenciou o pagamento. “Houve a suspensão de contratos pela Petrobras, prejudicando recebimentos da parte acordada com as empresas, que deveriam ser quitados independentemente de suspensão”, afirmou o doleiro.

Youssef diz em sua delação ter sido “chamado por Paulo Roberto Costa, o qual pediu que a questão fosse resolvida, pois teria recebido um pedido de Sérgio Gabrielli, presidente da estatal, para que isso fosse solucionado”.

Na versão do doleiro, Costa recomendou que os valores para a Muranno fossem rateados entre PT, PMDB e PP. “Deveria providenciar a quitação dos créditos da empresas, para tanto buscando a contribuição junto a colaboradores do PT, PMDB e PP”, afirmou Youssef.

Os pagamentos teriam começado no final de 2010, ano da primeira eleição da presidente Dilma Rousseff. “Destinou no total aproximadamente R$ 6 milhões às duas empresas de publicidade”, explicou Youssef. “Pagou parte em dinheiro e parte em TEDs, feitas pela MO Consultoria ou Empreiteira Rigidez, e também pagou parte com depósitos da Sanko Sider.” As duas primeiras eram firmas de fachada de sua lavanderia e a Sanko atuava em parceria com seus esquemas de lavagem na Petrobras.

O doleiro disse ter ficado “receoso” com o pedido de Costa “pois para pagar a dívida toda, teria que retirar da parte que era destinada ao PP. “A sugestão de Paulo (Roberto Costa) foi que então o PP cobrisse uma parte, o PMDB cobrisse outra e que o próprio PT também contribuísse para quitar os valores que estavam sendo cobrado pelas empresas.”

Costa afirmou que iria conversar com o operador de propinas do PMDB Fernando Antonio Falcão Soares, o Fernando Baiano “para poder conseguir pagamento da parte que caberia ao PMDB”.

O doleiro revelou que cuidou dos pagamentos. “Soube que o PMDB acabou não contribuindo com nada”, disse Youssef. “Quanto à parte de deveria ser paga pelo PT, o depoente foi procurado por Júlio Camargo que informou que cuidaria da parte que o PT deveria arcar e então repassou valores ao depoente mediante pagamentos de ordens no exterior em contas indicadas pelo depoente”, registrou a PF.

Youssef informou que Julio Camargo – lobista ligado ao ex-ministro José Dirceu – também teria citado o nome do então chefe de gabinete de Gabrielli, Armando Tripodi.

Os contratos da Muranno integram um pacote de pagamentos considerados irregulares pela própria companhia, que resultaram na demissão de um apadrinhado de Gabrielli.

“Diante de rumores na imprensa que agremiações políticas poderiam utilizar Petrobras para viabilizar recursos na campanha eleitoral de 2008, também, em face de não ter as respostas solicitadas, resolveu solicitar seu desligamento da empresa, que ocorreu efetivamente em 1 de setembro de 2008”, afirmou Carmem, a ex-chefe aposentada.

O dono da agência de propaganda apontou em depoimento à Polícia Federal, em 2015, que foi Morais que pagou por serviços que chegaram a R$ 7 milhões, sem contratação, para a divulgação da estatal em provas de Fórmula Indy, entre 2006 e 2009, nos Estados Unidos. Os pagamentos teria envolvido ainda o lobista e delator Julio Gerin Camargo, ligado ao ex-ministro José Dirceu (Casa Civil, governo Lula).

No depoimento do dia 9 de setembro, Villani afirmou à PF que depois de se reunir pessoalmente com Paulo Roberto Costa foi procurado por Youssef, que se identificou como “Primo” e providenciou os pagamentos de parte da dívida. O dono da Muranno afirmou ter recebido só uma parte do montante e que não procurou a Justiça para cobrar a Petrobras porque nunca fez um contrato formal.

Villani entregou para a Lava Jato o material produzido pela agência nos eventos de Fórmula Indy, bem como as trocas de e-mails, entre 2006 e 2009, que comprovariam a contratação e suas relações internas na estatal, em especial com o ex-gerente de Marketing.

Demissão

O ex-gerente de Marketing é da Bahia e ligado ao grupo político petista do ex-presidente da Petrobras. Gabrielli nega e diz que o ex-funcionário foi punido com a demissão, assim que se comprovou internamente sua responsabilidade e irregularidades em contratos da área, no ano de 2008.

Geovane de Moraes foi ouvido pela Polícia Federal e afirmou que foi demitido em 2009, pela ex-gerente da Petrobras Venina Velosa – subordinada a Paulo Roberto Costa – mas foi mantido no cargo até 2013 por interferência de Gabrielli.

Anotações analisadas da agenda de Paulo Roberto Costa vinculam o nome de “Ricardo Villani” a “Inácio”. Investigadores da Lava Jato apuram qual assunto seria tratado pelo ex-diretor com o dono da Muranno, em 2012.

Lula não é alvo desse inquérito, mas as apurações podem chegar ao suposto envolvimento dele nesse episódio. O caso Muranno não é o primeiro envolvendo suposto pagamento de propinas para evitar divulgação de escândalos de corrupção no governo. O ex-presidente sempre negou ter cometido qualquer tipo de irregularidade.

Pressão

Em depoimento prestado em janeiro de 2015, o ex-gerente jurídico da Diretoria de Abastecimento Fernando de Castro Sá afirmou que soube de seu superior – o então gerente executivo do Jurídico Nilton Maia – que em 2009, Gabrielli e o ex-diretor de Serviços Renato Duque, ligado ao PT, ligaram “muito irritados por causa desse parecer (que demitia Geovane de Moraes).

“Ficou estabelecido que a área do (Jurídico) compartilhado ia questionar a demissão e o Jurídico ia dar um parecer revisando os pareceres anteriores”. Dois pareceres citados por ele foram emitidos pelo próprio Jurídico da estatal comunicando que Geovane de Moraes, supostamente flagrado cometendo desvios, poderia ser demitido, mesmo durante período de licença médica.

Após a ligação de Duque e Gabrielli, o setor de compartilhado questionou esse parecer. “Geovane fica no auxílio doença durante quatro anos, tempo que a Petros (fundo de pensão dos trabalhadores da Petrobras) complementa o salário. Aí é demitido. Foi demitido quatro anos depois da sindicância comandada pela Venina. Exatamente o prazo que a Petros cobre”, relatou Castro Sá.

A efetiva demissão do Geovane foi concretizada apenas quatro anos depois por Francisco Paes, substituto de Venina na gerência executiva de Abastecimento. “Quando (Paes) tentou demitir o Geovane, foi informado pelo compartilhado da existência desse parecer.”

Sá afirma que Venina foi ameaçada por causa das denúncias. “Venina sofreu ameaça nesse período. Ameaça com arma. Havia uma pressão muito forte interna de ligações. Na primeira conversa dela com o Paulo (Paulo Roberto Costa, então diretor de Abastecimento da estatal), ele disse que ela teria de colocar isso debaixo do tapete. Ela disse que não faria isso.”

Segundo ele, o levantamento feito por Venina revelou um problema de “descumprimento orçamentário da área de Comunicação num valor astronômico”. “Constatou-se que havia uma discrepância muito grande entre o orçamento para Comunicação e os gastos efetivados. Havia solicitação de pagamento, mas não tinha contrato.”

Depois dessa reunião com Venina, em 2007, ficou decidido que ela iria levar esses fatos ao conhecimento do diretor Paulo Roberto Costa para ver qual procedimento deveria ser adotado. Castro Sá disse que a ex-gerente executiva foi orientada a levar a questão a Gabrielli.

A lógica, segundo o ex-gerente jurídico, era que fosse criada uma sindicância na Diretoria de Abastecimento, onde trabalhava Geovane de Moraes. No entanto, foi “formada uma comissão de sindicância na presidência”.

Questionado pelos procuradores quem seria o presidente dessa comissão, Castro Sá apontou o nome de “Rosemberg Pinto”. “Ele seria um sindicalista da Bahia, que trabalhava como assessor do Gabrielli.”

A comissão de apuração da presidência concluiu que deveria ser instalada uma outra sindicância na Diretoria de Abastecimento. Castro Sá afirma que Venina constituiu a sindicância e que, com base em dois documentos internos, determinou a demissão de Moraes.

Os documentos confirmavam que o ex-gerente de Comunicação poderia ser demitido por justa causa mesmo afastado por doença.