O encontro da presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff (PT) com artistas e intelectuais, ontem à noite, no Teatro Oi Casa Grande, no Leblon (zona sul do Rio de Janeiro), transformou-se em mais uma manifestação contra os supostos “riscos” que a candidata Marina Silva (PSB) representaria.
“Eu acredito de forma muito especial na democracia. Tem gente aqui que não conheceu a ditadura, mas pra mim a ditadura ainda está aqui na esquina. Nós superamos a ditadura e temos o compromisso de garantir que não se repita. O Brasil precisa com muita força apostar em duas coisas: educação e cultura. Temos a primeira geração de crianças que não passaram fome. Como garantir que não volte atrás? Adotarmos medidas na educação e na cultura. Só temos um jeito de termos recursos suficientes: sabermos de onde saem. Hoje sabemos: do pré-sal”, afirmou Dilma. “Quando alguém levanta que o pré-sal não é prioridade, está desconhecendo a realidade. Nós temos que usar o dinheiro para o Brasil. Na Noruega usam pra os aposentados. Nós usamos para educação e saúde, e vai ter dinheiro para a cultura”, discursou.
O PT tem afirmado que Marina não vai dar continuidade à exploração do petróleo no pré-sal, porque, em seu programa de governo, a candidata do PSB dedica pouco espaço ao tema.
Dilma criticou também a proposta, defendida por Marina, de tornar independente o Banco Central. “O Banco Central não pode ser independente porque no Brasil só é independente o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. É estarrecedor que se coloque a independência do Banco Central como objetivo de governo. Muito cuidado quando se começa a se criar órgãos tecnocratas de controle. Não é apenas a política monetária que é transferida para o Banco Central independente. Eu fico muito preocupada quando se quer acabar com os bancos públicos”, afirmou.
Dilma também criticou a proposta de cortar subsídios, que, segundo ela, acabaria com o projeto “Minha Casa Minha Vida”. “Óbvio que quem defende a independência do Banco Central é contra (subsídios)”, alfinetou.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou Marina sem citar seu nome: “Não é possível fazer nova política sem dizer como, onde e com quem. Na política não se pode querer só borboleta, sem lagarta. Um dia o Brasil elegeu não um presidente, mas uma vassoura. Um dia elegeu um caçador de marajás, e deu no que deu. Não queremos votar em alguém que seja super do super. Queremos votar em alguém que seja igual a nós”, afirmou, referindo-se a Jânio Quadros e Fernando Collor. “Não dá para dizer ‘eu vou escolher o ‘mió dos miós’, parece jogador de futebol. O melhor é o Congresso, é conversar com o PMDB. A política a gente só muda de dentro da política”, discursou Lula, que repetiu várias vezes o termo “mió” numa referência a Marina, que afirma querer governar “com os melhores”.
“Não nego a política. Porque em 1978 eu era tão ignorante. Pensava que era esperto. Achava que estava dando o meu ‘mió’… Quando perguntavam: ‘Lula, você gosta de política?’, eu dizia: ‘Não gosto de política e não gosto de quem gosta de política’. E a imprensa falava: ‘Que operário puro. Um operário que não gosta de política.’ Três meses depois eu estava fazendo campanha para o Fernando Henrique Cardoso para o Senado. Só se muda a política por dentro da política.”
O ex-presidente também criticou a imprensa. “A imprensa começa a perder o respeito quando deixa de cumprir o papel de informar a verdade, seja contra ou a favor. O que não pode é todo santo dia inventar uma mentira contra essa mulher”, disse, referindo-se a Dilma. “A imprensa escrita pode fazer o que bem entender, desde que não precise de dinheiro do governo para sobreviver. O que não é possível é as concessões do Estado (televisões e rádios) terem o comportamento que têm. Não sou de me queixar. Vocês nunca me viram lamentando. Mas não lembro de uma revista falar bem de mim”, completou.
Lula também criticou a Rede Globo por não permitir mais que seus artistas participem de campanhas eleitorais. “Parece que só se não estiverem fazendo novela”, disse. O auditório lotado explodiu, gritando em coro: “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”. Outro coro do público foi “Ô ô ô, Marina é só caô, Marina é só caô”.
Antes de Lula discursaram o teólogo Leonardo Boff, o cantor Chico César e a filósofa e professora Marilena Chauí. “Essas eleições estão polarizadas de uma maneira que de um lado é o rumo certeiro e de outro é uma aventura regressiva. Não é apenas uma regressão, mas a aventura que ela significa. O povo deve ser esclarecido. Que essa aventura não seja um tsunami a destruir anos de evolução política, econômica e cultural. O Lula tem que chegar ao povo e mostrar isso”, disse Marilena.
“Estou aqui para apoiar as conquistas de 12 anos. Com Lula e Dilma se fez uma revolução pacífica e democrática que nunca houve no nosso país. Revolução é dar um novo rumo à vida do país. Ela não pode ser perdida e desfeita. Não houve simplesmente uma alternância de poder, mas de classe social”, afirmou Boff.
“Nesses dez anos nós tivemos inclusão social e econômica através da cultura. Não podemos nos deixar levar por uma aventura, ou desventura. Sonhar não quer dizer não ter juízo. Os recursos para a cultura não podem estar nas mãos de 3% dos produtores do eixo Rio-São Paulo”, discursou Chico César.
O ato foi acompanhado por mais de mil pessoas – o teatro, que estava lotado, tem 926 lugares, e havia muita gente em pé. Entre os presentes estavam os músicos Alcione, Beth Carvalho, Nelson Sargento, Monarco, Wagner Tiso, Rildo Hora, Elza Soares e Otto, o produtor de cinema Luiz Carlos Barreto, os atores Chico Diaz, Sergio Mamberti, Luiz Carlos Vasconcelos e Benvindo Siqueira, a escritora e acadêmica Rosiska Darcy de Oliveira, além da ministra da Cultura, Marta Suplicy, de Juca Ferreira (coordenador do programa de governo de Dilma para a cultura) e Emir Sader, organizador do encontro. Lula, Leonardo Boff, Marilena Chauí, Marta Suplicy e Chico César sentaram-se ao lado de Dilma.