Socorro

Em carta, presos de Piraquara citam comida podre, maus tratos e fazem apelo a ministra

Átila Alberti / Tribuna do Paraná - Reprodução

Uma carta-manifesto redigida por presos da Penitenciária Central do Estado (PCE), na Grande Curitiba, e assinada por mais de mil detentos foi enviada, na terça-feira (6), à ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ao longo de dez páginas, os presos descrevem violações à Lei de Execuções Penais e a tratados internacionais de direitos humanos. Pedem ainda uma vistoria integral no presídio por parte do Departamento Penitenciário Nacional e uma sindicância para apurar as denúncias.

O texto foi entregue em mãos pelos detentos à presidente do Conselho da Comunidade de Curitiba, Isabel Mendes, durante visita à PCE. Na ocasião, eles pediram que a carta chegasse às autoridades nacionais do sistema penitenciário. Além de ter enviado o documento original à ministra Cármen Lúcia, o Conselho remeteu uma cópia ao governador do Paraná, Beto Richa (PSDB).

“É uma carta importante porque não passou pela censura, o que é incomum nas penitenciárias. Sempre há muita vigilância por parte do Estado. (…) É uma visão de dentro, de quem é diretamente atingido por uma execução penal ilegal, sem banho de sol, estudo ou trabalho”, destaca Isabel Mendes.

O Departamento Penitenciário do Paraná (Depen), por sua vez, contesta informações contidas na carta.

O relato

O manuscrito registra que a PCE é “conhecida pelo seu passado macabro e violento” e que lembra “os porões medievais da ditadura”. O texto é dividido em sete tópicos, cada um esmiuçando uma violação à Lei de Execuções Penais (LEP). Segundo os presos, “a PCE não pestaneja quando se refere a infringir leis, criar suas próprias normas e diretrizes, e manda pro Diabo os princípios básicos da LEP, Constituição Federal e Convenção dos Direitos Humanos Universal”.

Os detentos relatam ainda tentativas da administração penitenciária de esconder os problemas, durante vistorias ou visitas da imprensa. “É feito maquiagem – isso mesmo, maquiagem – de causar inveja nos renomados produtores do Projack [sic] e Hollioud [sic]”.

Entre as violações retratadas está a falta de banho de sol. De acordo com os relatos, os presidiários saem das celas uma vez por semana apenas, por suposta falta de efetivo de agentes – mas que os presos garantem ser “falta de organização”. “Permanecemos quase 700 horas/mês, mais de 1000 horas/ano taciturnamente enclausurados”.

Em outro tópico, os presos reivindicam poder trabalhar e estudar dentro do presídio. Segundo a carta, “falta trabalho, estudo e remição pela leitura” e que, por isso, “impera a ferrenha ociosidade”.

A carta ainda destaca violações a familiares dos presos – durante as visitas –, falta de atendimento de saúde, social e jurídico, e falta de itens pessoais básicos. O manuscrito relata ainda a superlotação (em que as celas são descritas como “sarcófagos” e “passarela de ratos”) e a falta de qualidade da alimentação.

“[As refeições] são de baixa qualidade, com ênfaze [sic] na repetidííííííssima [sic] linguiça, que exala um odor cadavérico e de cor emputrefada [sic]”, destaca o texto, que afirma ainda que cada preso só come “uma fruta por mês”.

Próximos passos

O canal entre o Conselho da Comunidade e a ministra Cármen Lúcia começou a ser consolidado no mês passado, quando a presidente do STF visitou o Paraná. Isabel Mendes espera que a carta sirva de alerta e que ajude a fazer com o que os magistrados foquem mais no sistema penitenciário.

“O CNJ é o principal bastião do Poder Judiciário. Nós precisamos que os juízes participem mais da execução penal. Que coíbam práticas detestáveis de tortura física e psicológica, que sejam entusiastas da reintegração social, que proíbam o amontoamento desmedido de presos”, diz Isabel. “A Cármen Lúcia me pediu pessoalmente que encaminhasse a ela os problemas do sistema penitenciário do Paraná. O intuito é contar a verdade. As políticas públicas precisam ser sérias”, completa.

Outro lado

Por meio de sua assessoria de comunicação, o Departamento Penitenciário do Paraná (Depen) – vinculado à Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) – informou que “não existe registro na Corregedoria do Depen ou na ouvidoria da Sesp, sobre maus tratos de servidores para com visitantes”. O órgão reconheceu que o banho de sol ocorre uma vez por semana, “no entanto, em vez de duas horas diárias, o banho de sol é ofertado o dia todo, das 9h às 16h” e que os detentos têm acesso ao pátio nos finais de semana, quando ocorrem as visitas.

Em relação aos atendimentos, o Depen informou que a PCE “conta com atendimento de enfermagem diário e atendimento médico duas vezes por semana” e assistência social diária. A assessoria jurídica é ofertada em parceria com a Universidade Federal do Paraná, além do atendimento oferecido pela Defensoria Pública.

O Depen afirma que a PCE “possui salas de aula e oferta atendimento educacional (educação básica) e de leitura, por meio do projeto de Remição de Pena pela Leitura. Também há canteiros de trabalho no local”.

Sobre os apontamentos relacionados à alimentação, o Departamento afirma que “toda alimentação passa por fiscalização diária” e que cada unidade prisional do estado tem uma comissão de recebimento de alimentos, que tem atribuição de verificar a qualidade das refeições, “além de conferir a pesagem, tipo de cardápio e a temperatura da alimentação fornecida”. O Depen diz ainda que fiscaliza a comida dos presos, por meio de “informações coletadas” e “de forma presencial, com visitas constantes”.

O Depen também afirma que não faltam materiais pessoais e destaca que “todos os presos recebem kits com uniforme, toalha, roupa de cama, cobertor, pasta de dente, escova de dente, barbeador, sabonete, papel higiênico e um colchão de espuma, densidade 28”.

“A Penitenciária Central do Estado é a maior penitenciária do Paraná, abrigando atualmente 1.645 presos, cujo projeto arquitetônico remonta dos anos 70 e se constituí em uma unidade de difícil movimentação de presos. Todos os esforços estão concentrados no sentido de manter a segurança dos agentes penitenciários, presos e do regime disciplinar, sem se olvidar do indispensável tratamento penal que resulta de programas assistenciais: trabalho, educação e leitura”, disse o diretor-geral do Depen, Luiz Alberto Cartaxo.

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