Ao contrário do que muitos afirmam, a eleição presidencial deste ano é a mais importante de todas as próximas eleições brasileiras, “pelo menos num espaço de tempo de uma ou duas décadas”. A avaliação é do cientista político Carlos Melo, doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor de Sociologia e Política do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e autor de “Collor, o ator e suas circunstâncias”.
Para Melo, “pessoas cheias de fastio e rasa sabedoria se ufanam em dizer que a eleição deste ano é um não-fato”, sob argumento de que a economia “dá as cartas” e ela vai muito bem, pelo menos no Brasil. Além disso, os presidenciáveis do PT, Dilma Rousseff, e do PSDB, José Serra, pouco se diferem, são desenvolvimentistas e devem manter a economia em ritmo de crescimento.
Mas para o cientista político, dizer que a eleição de 2010 é um “não-fato” significa uma “sandice perigosa” porque tira o foco das mazelas atuais e não enxerga problemas ainda maiores que estão na linha do horizonte do próximo governo. Na década que se abre, a agenda brasileira estará completamente voltada para o desenvolvimento. E as questões voltadas a este tema – tais como investimento em infraestrutura, incentivo, regulação clara e ambiente econômico favorável – dependem de lei “e as leis requerem um sistema político adequado e disposto a propô-las, reformá-las, aprová-las”.
O professor de Sociologia e Política do Insper adverte que a ignorância dos fatos desconhece que não há sistema político para isso no País. Apesar da premissa de que o presidencialismo de coalizão conseguiu – contra tudo e todos os prognósticos – aprovar medidas que têm mudado a face econômica e social do País, deve-se levar em conta que “necessariamente nada terá de ser assim apenas porque um dia foi assim”.
Fórceps
Melo cita que o Brasil dos últimos 20 anos “pariu uma série de transformações”, algumas, porém, “vieram à luz a fórceps, causando traumas”. Segundo ele, quase todas se deram por meio de um sistema de troca de favores entre o Executivo e sua base aliada, baseada na ocupação de cargos, liberação de recursos e efetivação de esquemas políticos. “Seria o custo da modernização. A ‘graxa’, a ‘gordura’, como dizem os americanos, para azeitar a máquina. Entretanto, nos últimos tempos o sistema político passou a exigir nova negociação a cada votação”, complementa.
“A tal da base sólida se transformou em algo gelatinoso, volátil. A voracidade cresceu e os custos também. A infraestrutura requerida por isso e por eventos como a Copa do Mundo e a Olimpíada não pode depender de negociações tão lentas quanto obscuras. O salto que o Brasil precisa e, finalmente, pode dar requer projeto, inteligência, coesão, liderança e instituições”, destaca o cientista político, questionando: “As eleições deste ano nos garantirão isto?”
Segundo Melo, nada disto está assegurado porque os candidatos ainda não expressaram, até aqui, essa disposição e essa capacidade. E argumenta que o desenvolvimento econômico e a inclusão social, “que até aqui apenas ensaiamos”, dependerão muito da condução política que se dê ao País, incluindo reformas, boas escolhas, articulação de qualidade e visão de futuro. “E, sobretudo, da política. É sim, a política”, reitera.