A tentativa do deputado Jair Bolsonaro, pré-candidato à presidência da República, de se apresentar como opção liberal-conservadora nas eleições de outubro começa a ganhar contornos mais definidos pelas mãos do economista Paulo Guedes, anunciado como seu possível ministro da Fazenda, caso ele seja eleito.
Com uma trajetória política marcada por posições nacional-desenvolvimentistas, de viés estatizante, que ainda geram muita desconfiança entre os liberais, Bolsonaro diz agora que deixará as decisões ligadas à economia para Guedes, cujas ideias são conhecidas e respeitadas no mundo dos negócios, para tentar dar alguma consistência à sua propalada conversão ao liberalismo.
“Eu confesso publicamente que não entendo nada de economia. A gente tem de ter humildade de escolher as pessoas certas, debater, conversar, para tomar decisões em diversas áreas”, afirma. “A última presidente que disse que entendia de economia quebrou o Brasil. O Fernando Henrique não entendia de economia, mas foi ministro da Fazenda do Itamar Franco e fez o Plano Real.”
Privilégios – Sócio e presidente do Conselho de Administração da Bozano Investimentos, Guedes diz que tem mantido longas e frequentes conversas com Bolsonaro, que chegam a durar quatro ou cinco horas, para afinar com ele as percepções sobre os diferentes aspectos da economia – dos gargalos que travam o desenvolvimento do País, como o desequilíbrio fiscal e o déficit da Previdência, às propostas destinadas a alavancar o crescimento e melhorar os serviços públicos, como educação, saúde, segurança e saneamento.
Guedes afirma que, para ampliar a sua base de apoio, Bolsonaro terá de formar uma aliança de centro-direita, que reúna as forças liberal-democratas e conservadoras em torno de sua candidatura, e como contribuição ao processo propõe um programa econômico de cunho liberal, revelado com exclusividade ao jornal O Estado de S. Paulo.
Na sua visão, depois de trinta anos de hegemonia social-democrata no Brasil, com o PT e o PSDB se alternando no poder, é hora de experimentar uma nova receita, para tentar colocar o País na trilha do crescimento sustentável. “A expansão ininterrupta dos gastos públicos corrompeu a democracia e estagnou a economia”, afirma. “A social-democracia deu uma contribuição, levou os pobres para o orçamento público, mas não teve coragem de mudar o Estado, cortar subsídios, privilégios.”
No início do ano, com a aproximação de Bolsonaro do Partido Social Liberal (PSL), ao qual ele deverá se filiar para formalizar sua candidatura, Guedes ganhou o apoio de um nome de peso, que deverá participar da elaboração do programa econômico do deputado-candidato: o economista Marcos Cintra, filiado ao Partido Social Democrático (PSD) e presidente da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), ligada ao governo federal.
Criador da proposta do imposto único, pela qual seria cobrado um só tributo no País, incidente sobre todas as transações, nos moldes da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), Cintra foi indicado a Bolsonaro pelo presidente do PSL, o deputado Luciano Bivar, um entusiasta da ideia, incluída em sua plataforma quando foi candidato à presidência da República, em 2006. “O manicômio tributário é um dos grandes empecilhos que o Brasil enfrenta para impulsionar o desenvolvimento”, diz Cintra.
Ex-deputado federal de 1999 a 2003, ele foi colega de Bolsonaro na Câmara e afirma que recebeu o sinal verde do ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, fundador e líder do PSD, para se engajar em sua campanha. “Eu disse a ele que fui convidado para ajudar e que vislumbrava a possibilidade de implementar uma reforma tributária, em linha com a proposta que eu venho defendendo há trinta anos.”
Esquerda. Mesmo com o aval de economistas como Paulo Guedes e Marcos Cintra, porém, muita gente ainda questiona se Bolsonaro irá realmente incorporar o receituário liberal e deixar para trás seus pendores nacionalistas, protecionistas e estatistas. Na semana passada, em pronunciamentos e entrevistas, ele não conseguiu disfarçar, por mais que se esforçasse para tanto, suas ideias nacional-desenvolvimentistas, inspiradas nas políticas do regime militar, que o aproximam das propostas defendidas pelo PT e por outros partidos e organizações de esquerda que ele afirma combater.
O empresário Flavio Rocha, presidente das Lojas Riachuelo, umas das maiores redes de varejo do País, que também se apresenta como um defensor das ideias liberal-conservadoras, poderia se alinhar com Bolsonaro, mas diz não ter “comprado” a sua conversão liberal.
“Bolsonaro é o único que está nadando de braçada na onda conservadora, mas é de esquerda em economia, porque é estatizante antes de mais nada.”
Rocha, é certo, tem dado sinais nas últimas semanas de que poderá participar das eleições para a presidência, com o apoio do Movimento Brasil Livre (MBL), disputando, essencialmente, o mesmo eleitorado de Bolsonaro, apesar de negar a intenção de fazê-lo.
Ainda assim, a sua resistência em se unir ao “capitão”, como afirma Paulo Guedes, revela o tamanho do desafio que Bolsonaro tem pela frente, para tentar superar a desconfiança que as suas posições históricas na economia despertam – e, mesmo assim, nada indica que conseguirá chegar lá. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.