Entre a operação e a denúncia que o acusou por corrupção e lavagem de dinheiro na máfia da merenda em São Paulo, o deputado estadual Fernando Capez (PSDB) passou mais de dois anos dizendo ter sido vítima de uma “investigação direcionada” baseada em “delações sem provas”.

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Após ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) arquivarem a ação que corria na Justiça paulista, o tucano usa agora o caso como símbolo da sua nova bandeira política: a “regulação” das investigações e delações.

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Ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Capez foi denunciado em janeiro pelo procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio, por supostamente ter recebido parte da propina de R$ 1,1 milhão que teria sido paga pela Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf) para fraudar um contrato com o governo do Estado. O político foi citado na delação premiada do lobista Marcel Julio, apontado como operador do esquema.

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Em maio, o Tribunal de Justiça aceitou a denúncia, mas, no mês seguinte, os ministros do STF Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski trancaram a ação a pedido da defesa alegando falta de provas e coação de testemunhas.

Após três mandatos seguidos na Assembleia Legislativa, o procurador de Justiça licenciado buscará uma cadeira na Câmara dos Deputados para tentar regulamentar a atividade que o fez despontar na vida pública. “É necessário regulamentar para evitar abusos e garantir que a investigação seja objetiva e impessoal.”

O sr. diz que a investigação foi direcionada. Por que e por quem?

A razão objetiva foi um indício que virou um pretexto. Tinha um servidor que havia trabalhado no meu gabinete e, segundo o delator, ligava do telefone fixo para perguntar como estava a licitação (da Coaf na Secretaria da Educação). Mas responsabilidade objetiva não existe em direito penal. Se não amanhã qualquer ministro que apronta, o presidente vira réu. Você tem de demonstrar qual foi a participação. O próprio servidor (Jeter Rodrigues) disse que eu não tinha nada a ver. Esse episódio deu a oportunidade para que aqueles que podiam tentar destruir a minha vida e carreira atuassem.

Quem são essas pessoas?

São pessoas com as quais eu convivi profissionalmente e nutriam em relação a mim algum tipo de paixão, ciúmes, inveja, raiva, ódio. Evidentemente, não vou apontar o nome dessas pessoas. Naquele momento eu era presidente da Assembleia e meu nome era lembrado como um dos possíveis quadros do partido para a eleição de governador.

Ainda assim, o procurador-geral de Justiça o denunciou por corrupção e lavagem de dinheiro.

Foi uma denúncia claramente inepta e qualificada pelo relator (no TJ) como fantasmagórica. Imputa lavagem de dinheiro e não diz quem, aonde, quando e como. Simplesmente lança a afirmação de forma irresponsável. Ele diz na denúncia que a cooperativa venceu a licitação. Isso mostra que ele nem sequer leu os autos, um erro crasso, porque ela perdeu a licitação. Afirma que, em razão de um servidor ter assinado um contrato de comissão com a cooperativa, eu recebi propina. Isso, na jurisprudência, é denominado salto mental.

Qual teria sido a motivação dele então ao oferecer a denúncia?

Eu diria que o Ministério Público se tornou refém do escândalo que ele mesmo provocou. Ele se viu sem condições políticas de recuar e arquivar o inquérito após tamanho alarido que ele provocou na imprensa. E este é um grande problema que surge quando se iniciam as investigações sem segurança de prova, se faz enorme escândalo com marketing pessoal e institucional e depois você fica refém daquela situação.

O sr. passou a condenar a delação agora que diz ter sido vítima de uma delas?

Como promotor de carreira e político eu defendo o instituto da delação premiada. Acho importante, porque ele é capaz de trazer para quem está investindo elementos que seriam inacessíveis. É instrumento útil de investigação. Mas o que ocorreu neste caso (máfia da merenda) mostra que, caso ela não seja regulamentada, há um potencial enorme para que agentes públicos e autoridades venham a distorcer a finalidade do instituto. Precisa ser aprimorado.

Que tipo de distorção?

No meu caso, uma delação que não imputava crime a minha pessoa, apenas a outros agentes. Tentaram transformar a colaboração em prova, mas ela é meio para produzir a prova e não a prova em si mesma. No momento que faz termo de colaboração a obrigação do colaborador é indicar os fatos e apresentar provas para demonstrar esses fatos. Se ele não apresentar, não existe colaboração. Durante esse momento o procedimento tem de ser sigiloso para proteger a identidade do colaborador, o interesse da investigação e a dignidade de quem foi acusado. Se nós não regularmos e cuidarmos da delação ela vai acabar sendo distorcida até que caia numa desmoralização total.

O sr. está defendendo um controle maior sobre a atuação dos promotores e procuradores?

Não. O controle poderia coibir a atividade investigatória. O Ministério Público tem de ter liberdade total de investigar. O que é necessário é regulamentação para que a investigação seja objetiva e impessoal. Todo aquele que detém poder sem controle tende a abusar do poder. E isso não significa manietar a investigação, mas regulamentá-la.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.