No ano em que celebra cinco décadas de existência, a TV Cultura ficou de fora do projeto de desestatização do governador João Doria (PSDB), mas o tucano prepara um “choque de gestão” na empresa com o objetivo de torná-la lucrativa e menos dependente de recursos públicos. A ideia contraria o conceito que marcou a história da emissora: uma estatal voltada para uma produção educativa que não tem a audiência como objetivo final.

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O processo de reformulação da TV pública ocorre num contexto em que o governador age para dar uma guinada liberal no PSDB, proposta que enfrenta resistência da ala “histórica” da legenda. Doria montou um conselho com a missão de “reinventar” a programação e a estrutura da emissora fundada pelos Diários Associados em 20 de setembro de 1960 e reinaugurada em 15 de junho de 1969 pela Fundação Padre Anchieta.

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Um dos argumentos da gestão Doria é acabar com influência política na empresa. O tucano quebrou uma tradição interna ao atuar diretamente na definição do perfil do novo presidente do canal: um executivo do mercado de TV selecionado por uma empresa de headhunter. O nome será escolhido em reunião do conselho prevista para ocorrer no dia 20.

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O grupo de trabalho criado por Doria conta com a participação do cineasta Luiz Carlos Barreto, do empresário José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, e de Ricardo Scalamandré, ex-executivo da Globo.

“Acabou o tempo dos políticos na TV Cultura. Agora é o momento dos profissionais. A determinação do governador é de que a influência política seja zero”, disse ao Estado o secretário estadual de Cultura, Sérgio Sá Leitão. Ex-ministro da Cultura do governo Michel Temer, Sá Leitão foi escalado por Doria para articular as mudanças, além de buscar no mercado um novo dirigente. Caberá aos 47 conselheiros da Fundação Padre Anchieta ratificar ou não esse nome.

O processo de sucessão contrariou o grupo do atual presidente da emissora, Marcos Mendonça, ligado ao ex-governador José Serra. “O presidente (da emissora) é eleito e empossado pelo conselho. O governador não pode escolher o presidente. Não tem esse poder”, afirmou Mendonça.

Mercado

Com o discurso de blindar a TV Cultura de indicações políticas, Doria determinou que os nove diretores da estatal não tenham atuação partidária. Historicamente considerada uma questão secundária, o aumento da audiência será agora uma meta a ser perseguida na emissora estatal. “A TV Cultura precisa ser relevante, e a relevância passa pela questão da audiência”, disse Sá Leitão.

Mendonça discorda dessa tese. “Não há possibilidade de discutir audiência com a TV Cultura. Ela tem uma finalidade. Não vai dar audiência quando coloca uma orquestra sinfônica no ar. Ela não vai dar audiência quando coloca o Café Filosófico no ar. Eu gostaria imensamente de ter a audiência da Globo, mas audiência não significa qualidade. Há necessidade de as pessoas diferenciarem esses dois itens”, afirmou.

A ação de Doria causou reações no PSDB. “Nunca houve esse tipo de interferência do governador na TV Cultura na escolha do presidente. A autonomia política é o que há de mais importante na emissora”, disse o ex-governador Alberto Goldman, adversário declarado de Doria no partido e ex-presidente do conselho da Fundação Padre Anchieta.

“O governador tem a prerrogativa de pensar em estratégias para a TV Cultura, que é uma emissora do Estado”, respondeu Marco Vinholi, presidente do PSDB e aliado de Doria. Procurado, o governador não quis se manifestar.

A TV Cultura tem 821 funcionários e o orçamento previsto para 2019 é de R$ 146,7 milhões – deste montante, R$ 40,6 milhões é a previsão de receita própria por meio de licenciamento de produtos e prestação de serviços, como a TV Câmara de São Paulo, por exemplo.

‘É um período de novos formatos na publicidade’ – Sérgio Sá Leitão, secretário estadual de Cultura

Existe uma reclamação interna de que o departamento comercial da TV vive de apoios institucionais. Como mudar isso?

Um dos nossos eixos é a questão da sustentabilidade: aumentar o volume de recursos para investir na programação. E uma das maneiras é ter mais abertura para diversos formatos de publicidade, naturalmente respeitando todas as exigências legais da TV aberta. Todas as empresas, anunciantes e agências buscam novos formatos de comunicação para reforçar o alcance de suas marcas. É um período de inovação e experimentação para a publicidade. É importante que as marcas e as agências vejam a TV Cultura como um território onde elas possam experimentar novas formas de comunicação.

O governo Doria enfatiza a ideia de privatização e concessão. Isso chegará à TV?

O que estamos pensando é uma maneira de tornar a TV Cultura mais enxuta, reduzir gastos de custeio e aporte de recursos do governo. Agora, isso vai ser feito junto desse processo de reinvenção da TV. Será compensado com recursos de outras fontes. Vamos aumentar a receita com publicidade, patrocínios e licenciamentos de conteúdo. Vamos usar o patrimônio imobiliário que a Fundação Padre Anchieta tem.

Ou seja: em vez de vendê-la, dar um choque de gestão?

Um choque de gestão e ter um horizonte de que a TV se torne progressivamente independente em relação ao Estado.

E mais popular?

São dois aspectos complementares: prestígio e audiência. A ideia é ter um conjunto de canais que sejam mais relevantes, com mais audiência e prestígio.

‘Não fazemos concessões para ter audiência maior’ – Marcos Mendonça, presidente da TV Cultura

Quanto a TV Cultura faturou com anúncios nos últimos dois anos?

Ela não fatura muito nessa área. Por volta de R$ 1 milhão por mês. No total, a TV faturou R$ 150 milhões e teve um superávit de R$ 7 milhões no ano passado. Tivemos, no conjunto do orçamento, aproximadamente R$ 50 milhões de receita própria. Isso mistura publicidade, serviços, licenciamento de marcas. E recebemos R$ 100 milhões do Estado.

A maioria dos programas tem baixa audiência. Por quê?

Não há possibilidade de discutir audiência com a TV Cultura. Ela tem uma finalidade. Não vai dar audiência quando coloca uma orquestra sinfônica no ar. Ela não vai dar audiência quando coloca o (programa) Café Filosófico no ar.

Então, a audiência não é o objetivo?

Gostaria imensamente de ter a audiência da Globo, mas audiência não significa qualidade. Há necessidade de as pessoas diferenciarem esses dois itens. Nunca vou ter audiência com dança clássica, mas estou oferecendo ao público a oportunidade de assistir a um espetáculo de dança clássica em casa. A TV Cultura não faz concessões para ter audiência.

O governador pode tomar decisões diretas como contratar ou demitir diretores?

Não. Isso é uma entidade independente. O presidente é eleito e empossado pelo conselho. O governador não pode escolher o presidente. Não tem esse poder.

O sr. é filiado ao PSDB. Isso pesou na sua escolha para presidir a TV Cultura?

O fato de eu ser ligado ao PSDB não influenciou em nada.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.