O delegado de Polícia Federal Milton Fornazari Junior avalia que doações ocultas nas eleições são o caminho para pagamento de propinas. “Trata-se de um retrocesso no combate à corrupção, em razão da eliminação da transparência e da violação do princípio da publicidade”, alerta Fornazari. “A praxe policial tem demonstrado que a doação oculta, em alguns casos, visa dificultar a vinculação entre o doador e o candidato beneficiado no caso de pagamento de propinas.”
Reportagem de Daniel Bramatti, do jornal O Estado de S. Paulo, revela que com suporte na reforma política aprovada na Câmara dos Deputados as próximas eleições serão as primeiras em que 100% do financiamento empresarial de campanhas será feito por meio de doações ocultas – aquelas em que é impossível identificar o vínculo entre empresas financiadoras e políticos financiados.
Em 2014, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) editou resolução que obrigou os candidatos a registrar em sua contabilidade o “doador original” do dinheiro que transitou pelo partido – ou seja, mesmo nos casos em que o partido atuou como intermediário, foi possível detectar quais empresas doaram para cada campanha.
A reforma sepulta a transparência nas relações entre doadores e candidatos. A partir de 2016, as empresas estarão proibidas de doar diretamente aos candidatos, mesmo que quiserem – os recursos obrigatoriamente terão de ir para os partidos, que depois os redistribuirão entre as campanhas. E o TSE não poderá mais determinar a identificação dos doadores originários, porque isso estará vetado pela legislação.
O delegado Milton Fornazari Junior é um especialista da PF no combate a malfeitos com dinheiro do Tesouro. Ele integra os quadros da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros e Desvio de Recursos Públicos da Polícia Federal em São Paulo. É Mestre e Doutorando em Direito Processual Penal pela PUC-SP.
Questionado se a reforma política abre caminho para as doações ocultas, o delegado afirma tratar-se de um “retrocesso no combate à corrupção, em razão da eliminação da transparência e da violação do princípio da publicidade”, diz. E complementa que “não há norma constitucional que abrigue a pretensão de sigilo em relação à doação eleitoral”. “O voto é secreto e o seu sigilo sim deve ser sempre protegido pelo Estado, pois traduz a opção íntima de cada cidadão na escolha dos seus representantes em uma democracia. A doação não se confunde com o voto, vai muito além, ela configura um aporte de recursos em favor de uma candidatura na qual uma pessoa física ou jurídica, em tese, acredita e resolve apoiar.”
Para Fornazari Junior, as doações ocultas podem ser usadas para repasse de propinas pois “a praxe policial tem demonstrado que a ‘doação oculta’, em alguns casos, visa dificultar a vinculação entre o doador e o candidato beneficiado no caso de pagamento de propinas”. E exemplifica : “um candidato mal intencionado oferece vantagens indevidas em determinada obra em andamento a um empresário, solicitando em troca que ele doe determinada quantia em dinheiro. Pela doação oculta, o doador não vai doar o dinheiro à campanha do candidato, mas ao Partido Político, aí é que entra a facilitação da corrupção. O candidato mal intencionado, já em prévio ajuste com os dirigentes do seu partido, fará aqueles valores serem destinados a ele da conta geral do Partido, sendo impossível vincular o doador e o candidato. Deve-se preservar a doação para quem deseja doar à legenda do partido, mas não tornar a doação à legenda como regra”.