Ex-comandante do Exército e atual assessor do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general Eduardo Villas Bôas disse ao jornal O Estado de S. Paulo que, ao “escapar” para questões ambientais, o Sínodo da Amazônia adquiriu “viés político”.
Villas Bôas admitiu que o governo tem “preocupação” com os temas do Sínodo, a ser realizado no mês que vem, em Roma, mas tentou amenizar o tom de confronto com a Igreja. “Eles não são inimigos, mas estão pautados por uma série de dados distorcidos, que não correspondem à realidade do que acontece na Amazônia”, afirmou o general, em uma referência à carta escrita por bispos, que na semana passada se queixaram de serem tratados como “inimigos da Pátria”. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual é a preocupação com o Sínodo da Amazônia?
Estamos preocupados, sim, com o que pode sair de lá, no relatório final, com as suas deliberações. E, depois, como tudo isso vai chegar à opinião pública internacional porque, certamente, vai ser explorado pelos ambientalistas. Agora, que fique claro: não vamos admitir interferência em questões internas do nosso país. Lá, nas discussões, as coisas se misturam e o Sínodo escapou para questões ambientais e também tem o viés político.
A Abin está acompanhando essas mobilizações?
É preciso tirar esse estigma da Abin. A Abin não faz espionagem. Ela trabalha principalmente com fontes abertas. Acompanha tudo porque cabe a ela colher todas as informações, processá-las e encaminhá-las ao presidente. A Abin acompanha a situação da Venezuela, a questão das queimadas… Não quer dizer com isso que tenha infiltrado gente ou cometido qualquer atividade ilícita. A Abin não comete ilícitos.
Em carta divulgada em Belém, os bispos disseram que estão sendo “criminalizados” e tratados como “inimigos da Pátria”. Como o sr. Responde?
Não é verdade, até porque a maioria dos militares é de católicos. Se, de certa forma, eles provocaram esta reação (do governo) foi porque, em todos os movimentos iniciais relativos ao Sínodo, a Igreja não fez nenhum contato com o governo brasileiro. Isso, naturalmente, gerou uma preocupação com os temas propostos para o encontro.
Mas houve muitas queixas no governo sobre o texto que está sendo preparado pelo Sínodo. Eles são inimigos?
Eles não são inimigos, mas estão pautados por uma série de dados distorcidos, que não correspondem à realidade do que acontece na Amazônia. Seria muito mais proveitoso que eles, institucionalmente, procurassem o governo brasileiro para se inteirar do que realmente está acontecendo, das intenções, das práticas e o progresso que o governo quer implantar para aquela região.
Estão tentando interferir em questões de soberania nacional?
No momento, não. Mas nós estamos preocupados com as resoluções do Sínodo, que poderão levar a uma interferência. E, aí, não vamos admitir.
Como o sr. vê a liberação do garimpo e a exploração agrícola em áreas indígenas?
O pressuposto de que colocar uma redoma nas comunidades indígenas vai proporcionar a preservação da cultura deles não é verdade, porque os índios sentem que lhes é negada a possibilidade de evoluir. Eu nunca fui a uma aldeia sem receber dos índios uma lista com pedidos de energia elétrica, internet, posto de saúde, escola e realização de atividades econômicas que lhes dê sustentação. O problema é que a política indigenista que vinha sendo aplicada incentivava os índios a ingressar em atividades ilícitas para ter uma oportunidade de evolução.
O sr., então, é favorável à legalização de atividades econômicas em áreas indígenas?
Precisamos de pragmatismo e de uma visão de resultado. Sou favorável a que se legalizem o manejo florestal e a atividade mineral e agrícola, proporcionando ao índio oportunidade de sustento e evolução. Temos exemplos de aldeias que tiveram sucesso com atividades agrícolas.
As ONGs ajudam ou atrapalham nessas áreas?
Os índios ficaram entre os discursos das ONGs e o fato de não conseguirem trabalhar, evoluir e ter suas necessidades atendidas. Por outro lado, as ONGs trabalham para que os índios continuem dependentes delas, para que os recursos só possam chegar até eles por meio dessas ONGs. Eu sou favorável a que se identifique, em cada comunidade indígena, qual a sua vocação econômica. Mas é muito importante que os órgãos do governo sejam estruturados e aparelhados para ter real capacidade de fiscalização e acompanhamento do que acontece nas aldeias.
O que move o presidente da França, Emmanuel Macron, nesses ataques ao Brasil?
O presidente Macron tem interesses eleitorais internos. Está com 70% de desaprovação e está falando para o seu público interno. A postura dele não teve eco no G-7. Como é que um país que até 1996 fez experimentos atômicos na Polinésia Francesa, cujos efeitos se fazem sentir até hoje sobre a população, se acha com autoridade moral de nos recriminar?
A organização do Sínodo e, depois, a sua realização podem interferir na ONU?
Eu acho que sim. Há uma forte interligação entre os organismos internacionais, sempre com esse viés crítico em relação ao que acontece no Brasil. Constatamos que há uma ação orquestrada. Depois da fala do Macron, por exemplo, houve uma do secretário-geral da ONU (António Guterres), na mesma linha do presidente francês.
O que está por trás desses discursos, na sua opinião?
O pano de fundo tem também a raiz econômica e até o agronegócio. O acordo do Mercosul com a União Europeia desencadeou isso tudo. Tem floresta queimando na Sibéria, todos os anos, no Alasca, Califórnia, Portugal, Congo. Além disso, essas manifestações vêm sempre das potências europeias. Esses países, para atender às necessidades básicas das suas populações, fizeram larga exploração da natureza ou em seus territórios ou nas colônias. Seus processos de colonização sempre foram altamente predatórios, haja vista o que fizeram na América Latina, Ásia e África. Por isso, nenhum desses países tem autoridade moral para tentar recriminar o Brasil pelo que aqui é feito.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.