Piercamillo Davigo, presidente da seção criminal da Corte de Cassação da Itália, fala sobre a operação Mãos Limpas.
Após 25 anos de Mãos Limpas, qual o balanço da luta contra a corrupção?
Em 1994, por causa do que havia sido descoberto pelas investigações, cinco partidos desapareceram nas eleições. Três deles tinham mais de cem anos. Todavia a mudança foi mais formal que real, no sentido que as pessoas estavam em novas legendas mas, sobretudo nos últimos 15 anos, a principal atividade da política não foi combater a corrupção, mas enfrentar as investigações contra a corrupção. Foram adotadas leis que aboliram ou modificaram crimes, leis que fizeram as provas voltar à estaca zero ou as tornavam inutilizáveis e leis que fizeram com que as pessoas não pudessem ser processadas. Muitas delas caíram por decisão da corte constitucional ou foram interpretadas de modo razoável pelos magistrados. No entanto, muitos processos foram concluídos com sentenças de absolvição não porque os acusados eram inocentes, mas porque as provas colhidas foram anuladas. E o resultado foi a queda de condenações por corrupção. Nos anos 2000, o número de condenações foi um décimo do de 1995. De tal forma, a Itália registra hoje um número de condenações por cem mil habitantes inferior ao da Finlândia, que é o país menos corrupto do mundo.
Quer dizer que há corrupção, mas não condenações?
O que falta são as condenações. Porque não é nem mesmo possível descobrir os corruptos, e quando são descobertos é muito mais difícil condená-los. Esse é o problema.
O senhor diz que se deve pôr os corruptos na cadeia porque cometem o crime em série.
Se o investigado por corrupção decide colaborar, torna-se inidôneo para cometer esse crime, pois ninguém mais pegará dinheiro com ele e ninguém também dará dinheiro para quem delata. O problema são aqueles que mantêm a capacidade de chantagem porque se mantiveram em silêncio. E estão em condição de chantagear os cúmplices que não foram descobertos. Assim, é necessário ter a custódia cautelar e o cumprimento da pena na prisão porque os priva da possibilidade de chantagear.
Arnaldo Forlani (primeiro-ministro italiano entre 1980 e 1981 e secretário da Democracia Cristã), que foi condenado por corrupção, mas cumpriu a pena prestando serviço social…
Não falo em nomes. O que posso dizer é que na Itália as penas com menos de 3 anos podem ser cumpridas por meio da prestação de serviço social. É uma medida feita para reintegrar na sociedade pessoas provenientes de setores marginalizados da sociedade e não para reintegrar quem fosse primeiro-ministro.
No Brasil, o ex-presidente da Câmara e ex-ministros estão presos. A Lava Jato deu frutos maiores do que Mãos Limpas?
Não conheço a situação brasileira em detalhe, portanto, não posso fazer um juízo.
Mas quando se pensa que importantes figuras políticas…
Posso apenas dizer que a situação italiana é absolutamente insatisfatória. Para mim, aquilo que nós descobrimos é somente uma parte do que existia. Muitos conseguiram se manter em silêncio. Em um certo momento da minha vida profissional me tornei uma espécie de rei Midas. Porque quando processava alguém, ainda mais se o condenado permanecia em silêncio, ele iniciava uma fulgurante carreira política.
É verdade que os políticos italianos continuam roubando. O que mudou foi que eles não se envergonham mais?
Digo que os políticos que roubam – não são todos que o fazem – pararam de se envergonhar. No passado, quando os prendíamos, se envergonhavam, agora não. Penso em um deles condenado recentemente. Quando se soube o que ele havia feito com o dinheiro, disse: “É dinheiro meu, faço com ele o que quero”. Não. É dinheiro do contribuinte.
Aprenderam a roubar melhor?
Não é melhor. É menos organizado do que antes. Isso não significa que se rouba menos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.