A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou censura imposta ao jornal O Estado de São Paulo deve “servir de alerta para aqueles que têm pendores tirânicos”, afirmou o advogado do Grupo Estado, Manuel Alceu Affonso Ferreira. O jornal estava proibido de publicar informações da Operação Boi Barrica envolvendo Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney (MDB), desde 2009. “Foi um processo cheio de incidentes, que talvez justifique um tempo a mais. Mas houve exagero”, disse Ferreira. Para ele, a decisão é fundamental para toda a imprensa.
O advogado do Grupo Estado, Manuel Alceu Affonso Ferreira, afirmou que “decisões como a do Supremo devem servir de alerta para aqueles que têm pendores tirânicos”, ao se referir à decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski de derrubar a censura imposta ao jornal O Estado de S.Paulo – que estava proibido de publicar informações da Operação Boi Barrica envolvendo o empresário Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney (MDB).
A decisão foi divulgada na quinta-feira passada, depois de o jornal completar 3.327 dias sob censura por determinação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. “Foram nove anos com muitos incidentes. Eu acho que, em parte, é o tempo da justiça, mas em pouca parte”, disse Ferreira.
Para o advogado, a decisão teve um aspecto fundamental: “Permitir que a imprensa publique o resultado de suas investigações”, disse. “Se a informação chegou ao veículo de imprensa sem que se apontasse qualquer participação do próprio veículo na ruptura desse segredo (de justiça), ele (o segredo) tem que ser revelado. Isso é mais do que uma obrigação. É um dever”, completou. Leia a seguir a entrevista.
Como o senhor recebeu a notícia do fim da censura imposta ao jornal O Estado de S. Paulo?
Você sabe o que me veio na cabeça quando eu tomei conhecimento dessa decisão? O lema dos Inconfidentes mineiros: Liberdade Ainda Que Tardia. Demorou tanto… São nove anos. A matéria é de julho de 2009. Foram nove anos com muitos incidentes.
Nove anos não é tempo demais?
Eu acho que, em parte, é o tempo da justiça, mas em pouca parte. Eles (advogados de Fernando Sarney) chegaram a desistir da ação. Mas nós nos opomos a isso – dizendo que a mera desistência não bastava. O que nós queríamos é que ele renunciasse a censura que fez. Então, foi um processo cheio de incidentes que talvez justifique um tempo a mais. Mas houve exagero.
O senhor sempre teve certeza de que o resultado seria positivo?
Eu confiei desde o início. Eu achava que no final a razoabilidade, que é uma mola mestra da ciência jurídica, havia de prevalecer. E foi o que aconteceu.
Qual foi o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) nesse processo?
O Supremo reafirmou aquilo que vem decidindo ultimamente em vários acórdãos liderados pelo ministro Celso de Mello e pelo ministro Luís Roberto Barroso. Se a reclamação de 2009 tivesse sido acolhida, o tempo seria bem menor. Mas o papel do STF foi muito positivo – não só para o jornal, mas para o imprensa em geral e o jornalismo investigativo.
O que essa decisão significa para o momento político do País?
Para a imprensa tem um aspecto fundamental – que é o de permitir que a imprensa publique o resultado de suas investigações. Mesmo que as provas estejam sob segredo de justiça, o destinatário do segredo de justiça é o juiz, o funcionário do cartório e os advogados. Mas se a informação chegou ao veículo sem que se apontasse qualquer participação do próprio veículo de imprensa na ruptura desse segredo, ele (o segredo) tem que ser revelado.
Isso é mais do que uma obrigação. É um dever.
Nesse sentido a decisão do Supremo pode servir como um alento contra as tentativas de censurar a imprensa?
Eu espero que sirva de alerta para que não haja um recrudescimento da censura. E para que esses políticos alcançados pelas Lava Jatos da vida não sigam o mesmo caminho sabendo que vão perder. Decisões como a do Supremo devem servir de alerta para aqueles que têm pendores tirânicos. A imprensa cumpre o papel dela quando informa e opina.
Os riscos à liberdade de imprensa fizeram parte do debate eleitoral deste ano. Como o senhor viu esse debate?
Esse é um tema que tem que estar permanentemente recebendo luz, não pode ser escondido nos escaninhos da justiça. A pior censura é aquela que vem do Judiciário. É o poder que menos se espera atitudes desse tipo. Vindas do Executivo já tivemos várias no regime militar; vindas do legislativo também; mas não vindas do Judiciário, que é um poder independente. Judiciário e imprensa precisam andar de mãos dadas.
Como o senhor avalia a relação do presidente eleito, Jair Bolsonaro, com a imprensa?
Eu tinha uma expectativa pior, mas ele está sabendo acatar as incursões da imprensa. Se não fizer por convicção própria, faz por habilidade. Essa é uma batalha que a imprensa sempre vencerá. Mesmo em tempos de Donald Trump (presidente
dos EUA que tem uma relação conflituosa com a imprensa).
O jornal Folha de S.Paulo tem sofrido críticas e ameaças de retaliação do presidente eleito…
Parece que ele já voltou atrás com a ideia de cortar verbas publicitárias. O único caminho é o da Justiça. O de processar quem ele considerar que abusou da liberdade de imprensa – coisa que a Folha não fez.
As chamadas fake news (notícias falsas) são um instrumento que corroem a liberdade de expressão?
É preciso prudência no combate às fake news. A liberdade de expressão tem que prevalecer. Punir notícias falsas e quem as espalha é competência da Justiça e de mais nenhum agente público. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.