A questão da ocupação de áreas de preservação ambiental no litoral do Paraná esquentou os debates de ontem na CPI da Reforma Agrária na Assembléia Legislativa.

Pedro Paulo Pamplona e Paulo Cleve do Bonfim, proprietários de terras catalogadas nessa condição em Antonina, denunciaram uma ocupação por sem-terras que se arrasta “desde o ano passado e o descumprimento de ordem judicial de busca e apreensão de máquinas e equipamentos roubados da Fazenda São Rafael e da Agropecuária Marcosanto, no primeiro semestre deste ano”. A ação chegou a ser iniciada, mas foi suspensa em plena execução “por ordens superiores” ao destacamento da Polícia Militar que acompanhava os oficiais de Justiça.

Os depoentes também exibiram cópia da certidão apresentada ao juiz da comarca por oficial de Justiça, relatando que o chefe do movimento dos sem terra na região, Jonas de Souza, justificou a obstrução da estrada de acesso às propriedades ocupadas declarando que “o governador nos deve uma pedra, porque fomos nós que invadimos a praça da Ecovia a seu pedido”. Por sugestão do deputado Tadeu Veneri (PT), a comissão deverá convocar Jonas de Souza e sua irmã, Luzinete de Souza, para dar a sua versão do confronto. Podem ser ouvidos ainda oficiais da PM que participaram da ação e o delegado do município, Darci Pacheco.

Ordens superiores

De acordo com os depoentes, os conflitos na região começaram quando o posseiro de uma área vizinha à ambos se inscreveu em assentamento para reforma agrária que estava sendo implantado na Lapa. Ele teria sido convencido a coordenar uma ocupação em sua própria área de origem. A partir daí desembarcaram na cidade sem-terras provenientes de outras partes, que, assistidos pelo Incra, montaram um acampamento na estrada. Delitos ambientais, como roubo de palmito, uso em grande escala de redes para pesca nos rios da região e abate de animais silvestres, tornaram-se freqüentes.

Pamplona e Bonfim disseram ter registrado sucessivas denúncias na polícia e nos vários órgãos ligados ao setor agrário e ambiental sem qualquer resultado concreto. A impunidade teria feito com que os acampados se tornassem mais ousados em suas ações e passassem a realizar furtos de eletrodomésticos, ferramentas agrícolas, uma moto, um caminhão e até um trator pertencente a Pamplona. Esse material teria sido localizado num barracão, sob a guarda dos invasores, e foi o objeto da ação de busca e apreensão abortada “por ordens superiores”.

Uma ação de reintegração de posse executada pelo comante da PM local, tenente Stokos, no ano passado, gerou seu afastamento do cargo e um Inquérito Policial Militar, ao fim do qual o oficial foi reintegrado.

Bonfim, o primeiro a ser ouvido, disse que hoje está limitado a utilizar 20% dos 429 alqueires da propriedade e acusou os acampados de danificarem os rios, liquidarem a fauna e desmatarem a mata nativa primária. Sua intenção, em função dos prejuízos que teria sofrido, é entrar com uma ação de ressarcimento contra o Estado. A mesma intenção foi manifestada por Pamplona, cuja propriedade tem pouco mais de 130 alqueires e era utilizada para a criação de búfalos.

Relator estranha justificativa

O relator da CPI da Reforma Agrária, deputado Mário Bradock, estranhou o pretexto atribuído ao delegado de Antonina, Darci Pacheco, para não dar segmento aos inquéritos – o de que estaria impedido de agir por “ordens superiores”. Segundo ele, a obrigação de fazer os boletins de ocorrência e instaurar os inquéritos competentes é constitucional, portanto se sobrepõe a qualquer “ordem superior”.

Para ele, é necessário ouvir o delegado e os próprios agentes da PM envolvidos nesse caso e sugeriu que os documentos apresentados pelos depoentes sejam encaminhados ao Ministério Público para investigações mais profundas. Outro membro da comissão, o deputado Marcos Isfer (PPS), que acompanha a questão desde o seu início, qualificou de “kafkiana” a situação, observando que as áreas, por serem de preservação ambiental, não se prestam a reforma agrária, tanto que a oferta feita pelos proprietários para desapropriação não foram aceitas pelo Incra. Ele concordou com Pamplona no sentido de que a compra de áreas no litoral pela SPVS -Sociedade Protetora da Vida Selvagem – e outras Ongs com motivação ambiental dentro do programa de seqüestro de carbono, estão contribuindo para expulsar do litoral as famílias de pequenos agricultores.

Depoimentos não têm fundamento, diz Delazari

A Secretaria da Segurança Pública do Paraná distribuiu nota ontem respondendo às acusações feitas na CPI da Terra. De acordo com a secretaria, os depoimentos dados por Pedro Paulo Pamplona, proprietário da Fazenda São Rafael e Paulo Bonfim, da Fazenda Marco Santo, aos deputados que conduzem a CPI são irresponsáveis e não correspondem com a verdade dos fatos.

“Ao contrário do que foi dito por eles, sob juramento, a Fazenda São Rafael foi desocupada em 24 de maio de 2004. Até a desocupação, e também depois deste fato, o dono da área, Pedro Paulo Pamplona, foi recebido e participou de mais de uma dezena de reuniões na Secretaria da Segurança Pública, com a participação inclusive do secretário Luiz Fernando Delazari”, informou a nota.

Ainda de acordo com a secretaria, já na propriedade Marco Santo nunca foram encontrados barracos ou casas de famílias sem terra que justificassem o processo de desocupação promovido pela polícia. “Em nenhum dos dois locais há sequer um barraco dos integrantes do MST instalado. O que existe é um acampamento na rodovia PR-340, próximo às fazendas, que é vistoriado pela Polícia Militar freqüentemente para evitar que aconteçam novas invasões a estas áreas”, informou.

Expulsão

A secretaria garantiu também que o grupo está instalado neste local há quinze anos, desde que foram expulsos dos locais onde viviam, em Rio Pequeno, município de Antonina. “Além das vistorias realizadas pela PM, ainda são mantidas na Secretaria da Segurança Pública, através da Comissão de Mediação de Conflitos Agrários, reuniões freqüentes entre estes dois proprietários e integrantes do MST para resolver de imediato eventuais problemas”.

Finalmente, a nota informou que recebeu denúncias de crimes ambientais cometidos pelos proprietários destas duas fazendas. “Eles respondem na Justiça pelos delitos constatados posteriormente pela Delegacia do Meio Ambiente e pelo IAP (Instituto Ambiental do Paraná). Por fim, a Secretaria de Segurança Pública do Paraná reafirma que a desocupação pacífica de áreas invadidas e a obediência às ordens judiciais são algumas de suas principais bandeiras, tendo realizado, até agora, 88 desocupações, desde o início do governo de Roberto Requião”.

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