Corrupção é a maior doença do Brasil

O quadro clínico do paciente é grave: ele sofre de baixíssima auto-estima, que é a principal causa da doença que lhe acomete, a corrupção. A psicóloga Denise Gimenez Ramos, coordenadora do programa de pós-graduação em psicologia clínica da PUC de São Paulo, levou dois anos pesquisando para chegar a esse diagnóstico e o enfermo em questão é o Brasil.

Num trabalho inédito, que traça as características psicológicas do povo brasileiro desde sua formação, Denise Gimenez Ramos trata a corrupção como uma patologia que se explica por diferentes variáveis. "Peguei o Brasil para analisar como se fosse uma pessoa, um paciente doente. E daí busquei saber qual era a principal doença desse paciente. E depois de muita pesquisa, comprovei que essa doença é a corrupção e fui ver as causas que levam ao comportamento corrupto", explica a psicóloga.

A pesquisa para descobrir as causas foi feita entre membros da Sociedade Junguiana de São Paulo, observações de campo e também análise de como os estrangeiros enxergam o Brasil. Nessas pesquisas, Denise descobriu que o Pais sofre de uma profunda baixa auto-estima, um autodesprezo coletivo. "É muito comum o brasileiro falar mal de si mesmo, ele supervaloriza tudo o que vem de fora e despreza a produção local. Descobri que o brasileiro se vê muito mal e isto é terrível", afirma Denise.

Como em qualquer análise psicológica de um paciente, Denise foi pesquisar as origens do doente, quem são o pai e a mãe do enfermo. E foi aí que a questão começou a se esclarecer. "O primeiro brasileiro é um bastardo, filho de uma relação entre uma mãe índia e um pai europeu. A tribo da mãe desprezou esse filho e o pai foi embora, sem levá-lo com ele. Em outras palavras, podemos dizer que o brasileiro sofre desse profundo trauma de origem", afirma Denise. A psicóloga aponta a maneira que o País foi colonizado como o início do sentimento de desprezo. Por aqui, não apareceu nenhum herói querendo construir uma nação e sim um bando de europeus afoitos por levar todas as riquezas encontradas para usufruto. Essa paternidade negada, seguida por outro grande trauma, a escravidão, só ajudou a aumentar o complexo de inferioridade da nação. Aliado a isso está o estigma do paraíso terrestre que o País carrega, a terra onde não existe moral, onde tudo é permitido.

Para Denise, essa imagem que o próprio brasileiro tem do País, e que também é a imagem que se tem lá fora da nação, reflete diretamente no comportamento da população. "O corrupto nada mais é do que a reprodução do português que veio para cá. Inconscientemente, o corrupto pensa em reproduzir o que o pai fez e por isso segue com esse comportamento predatório."

E esse comportamento, que se repete há mais de 500 anos, é o que vem travando o desenvolvimento da nação, segundo a psicóloga. Para ela, enquanto não se analisar a corrupção do ponto de vista psicológico, tentar esclarecer o que leva uma pessoa a se corromper e ser corrompida, será inútil todo o combate que se faz contra a corrupção. "É preciso entender que corrupção no Brasil não é questão de bem ou mal, é muito pior. Ela não se restringe aos bandidos. O homem bom também corrompe. Quem nunca se viu ao menos tentado a agir dessa forma, dar uma gorjeta e se livrar de uma multa de trânsito, fazer alguma manobra para conseguir o primeiro lugar da fila", questiona. Denise vê de maneira positiva o impasse, que o País se encontra, apesar de acreditar que o País sofre de uma depressão coletiva perigosa. Ela acredita que o atual momento de crise é a grande chance de se fazer uma virada para desassociar a corrupção da identidade nacional. "A verdadeira mudança só vai ocorrer no dia que, coletivamente, enfrentarmos este trauma, superarmos a tensão entre inferioridade e superioridade."

E como resolver o problema? Recuperando a auto-estima. A receita é fazer um balanço do que existe de bom e o que há de ruim, assumir a dor de que o Brasil não é o país do futuro, que teve uma estruturação traumática. Encarar as verdades e resolver os problemas nacionais começando de pequenos grupos, sem esperar um herói nacional, é assim que o Brasil pode se livrar da corrupção.

Corrupção é um fenômeno político com raízes culturais

O sociólogo e professor do Departamento de Sociologia da UFPR Ricardo Costa de Oliveira acredita que a corrupção é um fenômeno político que tem relação com as estruturas políticas e ao sistema político-partidário, mas que também tem raízes na cultura política do País. "Ela está presente quando o cidadão vê a corrupção acontecer e não a denuncia, quando sonega impostos ou procura corromper autoridades públicas, como guardas de trânsito", afirma.

Segundo Oliveira, o excesso de corrupção na política nacional gera um conformismo; as pessoas passam a achar normal esse tipo de comportamento e passam a repetir a ação, sem maiores constrangimentos. E é aí que mora o problema, na visão dele. Oliveira afirma que a corrupção não é exclusiva de um país ou partido político. Ela é universal e o grande problema é a maneira como cada população lida com ela.

"Por isso é necessário aperfeiçoar o sistema político para impedir que a corrupção se dê com tanta facilidade", afirma.

Instituições

Mas há quem discorde dessa abordagem. É o caso de Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil, organização sem fins lucrativos dedicada a combater a corrupção. Para ele, corrupção não se combate com conversa. "A corrupção não está na psiquê, não é uma questão antropológica ou social. A corrupção está nas instituições e ela só pode ser combatida alterando as condições que a propiciam", afirma.

Segundo Abramo, é preciso criar mecanismos de controle nas instituições para impedir que o corrupto aja. Só assim, segundo ele, temendo que se infringir as regras vai responder pelo ato, é que o corrupto deixará de agir assim. "O que interessa é que a pessoa não seja corrupta com a coisa pública e isso só é possível com a aplicação de medidas corretivas. Tudo além disso é conversa", afirma. (SR)

Corrupção é o principal complexo nacional

O estudo da psicóloga Denise Gimenez Ramos, chamado "Corrupção: sintoma de um complexo?", integra o livro Complexos Culturais, publicado apenas nos Estados Unidos, e que reúne ensaios de especialistas de diversos países do mundo analisando os complexos culturais de cada nação. No caso do Brasil, Denise tratou sobre a corrupção como o principal complexo nacional.

Já o artigo sobre os Estados Unidos, por exemplo, apontou o puritanismo como o grande mal da nação americana. "Essa educação e formação puritanas causaram uma sombra na sexualidade do povo americano. E isso fica evidenciado na dicotomia do país que, ao mesmo tempo tem a maior indústria pornográfica do mundo, se choca profundamente e não aceita que o presidente da República tenha uma amante, que foi o caso de Clinton. No Brasil, sempre se falou das amantes dos presidentes quase como algo pitoresco. É que a nossa sexualidade é melhor resolvida. Nosso problema é outro", diz a estudiosa."

Para Denise, a população brasileira sofre da falta de um pai e vai buscar em seus líderes políticos essa figura ausente. É por esta razão, segundo a especialista, que fazem tanto sucesso no Brasil políticos autoritários e corruptos, mas que exercem, ao mesmo tempo, um protecionismo afetuoso. Ela dá o exemplo de governadores paulistas acusados de corrupção, como Ademar de Barros e Paulo Maluf, que se encaixam no perfil do "rouba mas faz" que pode ser traduzido por "rouba mas protege". "E como reclamar daquele que abusa do poder mas te protege? É o mesmo que acontece com uma criança abandonada numa favela. Como explicar para ela que ela não deve aceitar a proteção e os benefícios que o traficante local lhe proporciona?", questiona a estudiosa.

O objetivo de tirar vantagem, de ser esperto, malandro, imagem que traduz o brasileiro que consegue vencer a custa de expedientes reprováveis, cria sempre uma falsa impressão de superioridade. Mas a realidade é diferente, diz a psicóloga. "O sentimento de inferioridade desses políticos é tão baixo que eles precisam apelar para esse tipo de atitude para tentar se sentir melhor. Acreditam que, se aliando à bandidagem, eles podem fazer alguma coisa por eles mesmos", afirma ela.

É por isso que Denise acredita que o problema da corrupção no País não vai se resolver com educação ou com discursos moralistas. Antes de mais nada, ela afirma que é preciso resgatar a auto-estima da população. Se isso não for feito, seguirão sendo criados mecanismos para evitar a corrupção. "Temos que combater esse problema não pelo medo da punição e sim mudando a maneira de pensar da população, criando indivíduos incorruptíveis, e isso só vai acontecer quando se levar em conta o lado psicológico do problema e encarar de frente os nossos traumas. É hora de parar de procurar nesses líderes terríveis um herói ou um pai protetor que nos levem a desastres como este que estamos vivendo agora no Congresso", conclui ela." (SR)

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