Comissão do impeachment teve 61 horas de duração e ‘bordões’ próprios

Se ninguém parasse para comer, dormir ou bater papo pelos corredores do Senado, optando por discutir tudo de uma vez só, teriam sido 61 horas e 18 minutos de sessão para avaliar a admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Mais de dois dias e meio foi tempo suficiente para que se criassem alguns “bordões” da comissão especial, marcada por discursos e expressões repetitivas, como “chicana”, “cantilena” e “conjunto da obra”.

Apesar de distantes do vocabulário popular, as duas primeiras palavras foram utilizadas para tachar as falas dos opositores de irrelevantes, enfadonhas e trapaceiras. “Chicana”, proferida 23 vezes ao longo das sessões, foi introduzida no repertório da comissão pelo senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), conhecido pelos companheiros pelo dom da oratória e filho do já falecido senador Ronaldo Cunha Lima, que era poeta.

“Nós estamos aqui há mais de duas horas tentando votar requerimentos que são invenções, sabotagem, chicana”, disse o tucano ao presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), sobre requerimentos apresentados pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), na sessão mais longa de todas: a que ouviu os juristas Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal por exatas 12 horas e 13 minutos.

Sinônimo de “mimimi” – expressão utilizada, aliás, pelo senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) para criticar o PT -, a palavra “cantilena” foi pronunciada nove vezes. Na sétima sesão, o senador José Medeiros (PSD-MT) defendeu o relator, Antonio Anastasia (PSDB-MG), dizendo que os governistas estavam fazendo uma “cantilena jurídica” sobre o processo de impeachment.

Mas a expressão mais popular da comissão foi a genérica “conjunto da obra”. Apesar de a denúncia do impeachment se concentrar em apenas dois fatos – os decretos de créditos suplementares e as chamadas pedaladas fiscais -, tanto governo quanto oposição usaram as palavras em seu próprio favor, seja para falar do conjunto de más ou boas ações da presidente Dilma. “Conjunto da obra” teve uma alta progressão nas sessões, passando de 5 repetições (na primeira) para 44 (na sexta) e totalizando 169 ao fim da reunião desta sexta-feira, 6.

Haja fôlego

O relator mostrou ser um homem de fôlego. Figura mais importante da comissão, tratado como celebridade pelos aliados no dia da apresentação de seu parecer, Anastasia leu seu relatório de 126 páginas em 3 horas e 10 minutos, sem sequer beber água. Antes disso, entretanto, ele pouco falou. Anastasia resistiu o que pôde às críticas da base do governo de que, conforme revelou o jornal O Estado de S. Paulo, ele próprio editou decretos de suplementação orçamentária supostamente sem aval do Legislativo – medida fiscal que alicerça o pedido de afastamento de Dilma. Suas intervenções, juntas, não somaram sequer 20 minutos, o que lhe rendeu o apelido de “relator zen”.

Para contrastar com a calma do relator, as sessões foram interrompidas brevemente por Lira em três ocasiões, em função de brigas acaloradas entre os senadores. Campeão das confusões, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) esteve envolvido em todas elas. Nesta sexta-feira, 6, enquanto o petista discutia com os tucanos Aloysio Nunes (SP) e Cunha Lima, o presidente precisou pedir uma “campainha à altura do momento histórico” – literalmente, pois o som da que havia na sala não era capaz de abafar a confusão entre os parlamentares.

Lira, aliás, fechou a comissão sob elogios de vários lados, apesar de inicialmente criticado por ser muito “flexível”, principalmente em favor dos governistas. Ele explicou que teve de “fazer um esforço” para que “a maioria (ironicamente representada agora pela oposição) não esmagasse a minoria (governo)” durante os debates. O presidente, admirado pelo espírito conciliador, não dispensou broncas aos membros da comissão, como a vez em que disse que “não poderia tratá-los como alunos de uma sala de aula”. Chegou a dizer, certa vez: “Temos aqui somente senadores maravilhosos”. Arrancou risos dos presentes no plenário, mas seguiu com seu semblante sisudo.

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