A Comissão Nacional da Verdade apresentou nesta segunda-feira, 18, ao Ministério da Defesa um relatório sobre violações de direitos humanos no tempo da ditadura em sete unidades militares no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco. Em reunião com o ministro da Defesa, Celso Amorim, os membros da comissão se adiantaram e cobraram a instalação de sindicâncias militares para apurar nove assassinatos e 15 casos de tortura ocorridos nessas unidades.

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É uma nova fase do trabalho da Comissão, criada pela presidente Dilma Rousseff para apurar crimes do regime militar (1964-1985). Até então, o colegiado fazia pedidos para os militares abrirem seus arquivos e suas unidades. Agora, os membros da comissão, de certa forma, lembram aos militares que, como agentes do Estado, eles também são responsáveis em apurar as violações como estabelece a legislação sobre a Comissão da Verdade.

“Estamos criando uma oportunidade de diálogo com as Forças Armadas. Essa é uma oportunidade de reflexão para eles”, afirmou a advogada Rosa Cardoso, membro da comissão, em tom ponderado.

O coordenador da comissão, Pedro Dallari, avaliou que o uso das unidades militares para tortura se caracteriza como um dano ao erário, com o desvio de finalidade. Ele observou que o dano ao erário é um crime imprescritível. “Estamos lidando com o direito administrativo, com o ilícito do desvio de finalidade. A qualquer momento pode haver um ressarcimento para o Estado”, disse.

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Dallari ressaltou que a tortura no tempo da ditadura se converteu numa “política pública” executada com recursos e instalações públicos. Para ele, as violações como as que ocorreram na base aérea do Galeão no Rio ou nas instalações do DOI do quarto Exército em Pernambuco, unidades citadas no relatório apresentado hoje pela Comissão da Verdade, não foram resultados de ações “isoladas” de “alguns psicopatas”, mas de uma estrutura de Estado.

Rosa Cardoso explicou que o desvio de finalidade neste caso foi “jogado para cima”, referindo-se a ordens superiores. “O desvio de finalidade é a política de Estado”, disse. A advogada defendeu o estudo dos espaços físicos e da estrutura dos centros de tortura. “Sem o conhecimento das câmaras de gás e outras estruturas criadas pelo nazismo na segunda guerra, não seria possível conhecermos a política do regime (de Hitler)”, exemplificou. “É importante entendermos as estruturas onde as violações de direitos humanos ocorreram porque isso permite uma caracterização política do regime militar”, completou.

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Os membros da comissão disseram que a formação das sindicâncias solicitadas não tem por objetivo principal buscar os nomes dos agentes que praticaram tortura. Os conselheiros observaram que esses nomes, em sua maioria, já são conhecidos. A proposta é apresentar um retrato da estrutura.

Durante entrevista para divulgar o relatório enviado a Celso Amorim, os membros da comissão procuraram demonstrar que estão tendo “um bom diálogo” com as Forças Armadas. Eles, no entanto, fizeram questão de ressaltar que a comissão não digeriu a tese dos comandantes militares de destruição dos documentos da ditadura.

Pedro Dallari disse que o relatório apresentado ao Ministério da Defesa não faz juízo de valor e apresenta as violações a partir de dados sólidos analisados pelas comissões de Anistia e de Mortos e Desaparecidos. “As situações descritas de mortes e torturas já foram reconhecidas pelo Estado brasileiro”, disse. Além desses casos, a comissão pretende fazer novos relatórios para exigir informações especialmente dos centros das unidades militares do sul do Pará, onde no começo dos anos 70 ocorreu a Guerrilha do Araguaia, locais de tortura, execuções de guerrilheiros e moradores. “Nós temos o direito de exigir que todo o Estado participe da investigação. As Forças Armadas têm o seu dever, não só de fornecer informações, mas auxiliar diretamente nas investigações”, disse o conselheiro José Carlos Dias.

Já Paulo Sérgio Pinheiro observou que, em muitos países de regime ditatorial, as torturas ocorreram em lugares clandestinos, muitas vezes alugados pelo Estado. “Imaginem violações que ocorreram em unidades militares oficiais. Funcionários públicos batendo ponto: ‘hoje é meu dia de fazer tortura’. Isso tudo ocorreu no Brasil dentro de prédios públicos, a custo do contribuinte brasileiro”, disse.