A Comissão Nacional da Verdade vai encaminhar ao Ministério da Defesa, nos próximos dias, um novo pedido de esclarecimentos sobre casos de tortura e morte de presos políticos ocorridos em dependências militares nos anos da ditadura. Paralelamente, a comissão dará início a uma série de ações – debates, pronunciamentos, entrevistas e notas públicas – destinada a pressionar os comandantes militares a reconheceram publicamente que as Forças Armadas cometeram violações de direitos humanos naquele período.

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O objetivo final é obter dos militares uma espécie de pedido público de desculpas. Sem essa iniciativa será quase impossível obter a reconciliação nacional, um dos três principais objetivos da Comissão da Verdade, segundo seu atual coordenador, advogado Pedro Dallari. Os outros dois objetivos são a verdade e a memória.

“Está na hora, de uma vez por todas, de as Forças Armadas colocarem um ponto final nessa história, para que se conclua a longa transição da ditadura para a democracia”, disse Dallari ao jornal “O Estado de S. Paulo”. “É importante que reconheçam as violações, que se diga que foram fatos lamentáveis e que não deveriam ter ocorrido. Agindo dessa maneira, com transparência, a instituição vai granjear o respeito de toda a sociedade e facilitar a reconciliação nacional”, afirmou.

Essa é a segunda ofensiva da comissão na área militar neste ano. Em fevereiro, o grupo enviou ao Ministério da Defesa um pedido de explicações sobre 17 casos de pessoas torturadas num conjunto de sete instalações militares na ditadura.

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O pedido de esclarecimentos foi acompanhado de documentos produzidos pelas comissões de Mortos e Desaparecidos e da Anistia, que comprovam os casos listados, com a identificação detalhada das instalações. Também foi anexada ao pedido a explicação de que o Estado brasileiro já reconheceu cada um dos casos denunciados. Tanto que pagou ou continua pagando indenizações às vítimas ou a seus familiares.

Decepção

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As respostas dos chefes das três armas – Exército, Marinha e Aeronáutica – encaminhadas em junho à comissão foi decepcionante, como admite Dallari. “Eles ignoraram, não disseram uma palavra sobre os casos que documentamos e que já tinham sido oficialmente reconhecidos no governo de Fernando Henrique Cardoso.”

O pedido de esclarecimento que será enviado agora ao Ministério da Defesa contesta a réplica militar. Ao mesmo tempo, a comissão vai estimular o debate e a pressão sobre os militares.

Segundo Dallari, a resistência se deve sobretudo a ações de oficiais da reserva, instalados em clubes militares, e à existência de uma comunidade de informações mantida por agentes públicos apontados como autores de torturas. “Quem está na ativa hoje não tem relação com esse passado tenebroso”, disse. “A jovem oficialidade não tem nenhum interesse em ficar atrelada a essas histórias de torturas, que não fazem parte da tradição militar no Brasil. Está na hora de reconhecer que foi um erro.”

Para os militares, Anistia fez transição

O entendimento da Comissão Nacional da Verdade de que só um pedido de desculpas das Forças Armadas pode levar o País à reconciliação nacional enfrenta resistência em meios militares.

Afirma-se ali que a reconciliação já ocorreu com a promulgação da Lei da Anistia, em 1979, ainda no regime de exceção. Ao anistiar tanto os cidadãos que combateram a ditadura, recorrendo às vezes à luta armada, quanto os agentes públicos que violaram direitos humanos, aquela lei é que teria sido a chave da transição democrática no País. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.